Texto de Fábio Fernandes
Patrícia namora Rafael há três anos. Se é verdade o que dizem, que muita água passa por baixo da ponte num período tão longo de tempo, então para ela é como se um oceano inteiro tivesse rolado pelo canal estreito de seus vinte e cinco anos e derrubado todas as pontes que encontrasse pelo caminho. Nesses três anos Rafael deixou o cabelo crescer até as costas, raspou tudo, furou orelhas, nariz e sobrancelha, usou malha canelada, camisa larga de mangas compridas, ouviu rap, reggae, techno, drum’n’bass, trip hop, electro. Rafael não é uma pessoa volúvel: é apenas um típico habitante de seu tempo: inconstante, veloz, não acompanhando as mudanças, mas fazendo parte delas. Há um preço a pagar por isso, mas Rafael não tem tempo de perguntar qual seja ele.
Patrícia também é uma típica habitante da virada do século, só que do outro lado do espectro: prepara sua tese de mestrado, trabalha, junta dinheiro para realizar seus sonhos e desejos. Patrícia precisa de um alicerce sólido e seguro em que fundamentar suas ações. Ela suporta a escuridão do túnel porque sabe que existe uma luz ao final. Patrícia também sabe que Rafael é seu oposto: ele não vê o fim do túnel, simplesmente porque não está preocupado com isso. Prefere juntar o que encontra pelo caminho e acender velas, que iluminam precariamente mas lhe fornecem toda a luz de que precisa. Para Patrícia, Rafael é um mutante. E Patrícia tem medo de mutantes.