Texto de Eduardo Maciel
Olá, kurumateiros!
Nesse momento de pandemia, precisamos proteger os mais seniores ao nosso redor, porque as taxas de letalidade do coronavírus aumentam em proporção direta com o aumento da idade.
E hoje em dia proteger implica muitas vezes em não estarmos fisicamente tão presentes.
No entanto, podemos ligar, mandar áudio, enviar livros.
E por que não recitarmos sonetos por telefone? Ou lermos aquela obra que estamos degustando com eles ao telefone em voz alta? Leitura coletiva sim, né gente?
Por isso, hoje quero abordar um tema que me é muito caro: as relações entre sonetos e a terceira idade.
Particularmente não gosto de me referir aos idosos como terceira idade, porque qualquer referência numérica pode soar comparativa ou até mesmo pejorativa, e a maioria de nós sonha com longevidade, certo?
Eu mesmo tenho pais com idade mais avançada, e percebo neles por vezes uma vivacidade que nem eu, que sou um quase idoso, tenho.
Talvez seja porque meus pais cultivem uma alma jovem, ou talvez a minha é que seja velha demais.
Mas esse não é o ponto.
Dia desses estava pensando na relação tão íntima entre pessoas mais velhas que lêem e uma maior desenvoltura cognitiva nelas, e fui buscar na ciência respaldo para minha observação empírica.
Logo de início me deparei com o fato de os idosos reconhecerem (em pesquisas focadas no tema) que atividades como a leitura trazem benefícios para a promoção de um envelhecimento ativo e saudável.
O envelhecimento populacional é uma característica mundial. As projeções indicam que, em 2050, a população contará com aproximadamente dois bilhões de pessoas idosas, ultrapassando o número de crianças, conforme Pereira, Curione e Veras (2003).
E vamos combinar: esse aumento da longevidade humana também é percebido no Brasil. Estimativas para os próximos 20 anos sugerem que o número de idosos, no Brasil, deve ultrapassar 30 milhões de pessoas, chegando a representar quase 13% da população (Frank, Santos, Asmann, & Alves, 2007).
Dessa forma, o envelhecimento populacional é fato consumado que exige o desenvolvimento de programas e ações capazes de contemplar a promoção da saúde na velhice, visando um envelhecimento ativo e participativo, conforme as recomendações da Organização Mundial de Saúde.
De acordo com Queiroz e Papaléo Neto (2007), dentre todos os programas direcionados aos idosos, aspectos que dizem respeito à sociabilidade e à educação devem assumir primazia na promoção de um envelhecimento saudável. Nessa direção, entendendo que a interação social (atualmente compulsoriamente reduzida) e que o acesso à educação e à leitura dependem, inevitavelmente, de processos interlocutivos que se efetivam no espaço de produção da linguagem.
Convém destacar os papéis que a poesia e os sonetos podem assumir no processo de envelhecimento.
De acordo com Neri (2007), 49% da população idosa brasileira é considerada analfabeta funcional. Sendo que, desse total, 23% dos pesquisados declaram não saber ler e escrever, 4% deles afirmam só saber ler e escrever o próprio nome e 22% dos idosos consideram a leitura e a escrita atividades penosas, seja por deficiência no aprendizado, problemas de saúde, ou ambos os motivos
Ou seja, uma parcela significativa da população idosa permanece à margem da sociedade grafocêntrica atual, confirmando a necessidade de implantação de políticas públicas que contemplem atividades de letramento junto a tal população.
Nesse sentido, cabe destacar o papel que profissionais da saúde e da educação podem desempenhar nesse cenário, formulando propostas capazes de promover um envelhecimento saudável a partir do desenvolvimento de práticas de letramento capazes de inserir o sujeito idoso na sociedade atual.
Inicialmente, convém explicitar que sujeito o é considerado idoso pela Organização Mundial da Saúde a partir dos 65 anos de idade. Esse critério tem sido adotado nos países desenvolvidos.
Todavia, o processo de envelhecimento individual assume particularidades tão distintas que associá-lo à idade cronológica permite apenas uma percepção grosseira desse processo, além de retirar do envelhecimento suas feições sociais e seus aspectos históricos (Wong & Moreira, 2000).
Envelhecer configura-se como uma experiência única e singular para cada pessoa. Por isso, diversifica-se entre os sujeitos que compõem o mesmo grupo social, apresenta-se de maneira heterogênea entre esses sujeitos e, também, entre diferentes grupos sociais, implicando individualidade, diversidade e variabilidade (Bassit, 2004).
Assim, tendo em vista que a definição de velhice é perpassada por questões sociais e culturais, as pesquisas sobre o envelhecer necessitam ir além da preocupação com doenças relacionadas à idade. Isso porque o envelhecimento humano envolve mais que evitar doenças.
Além da manutenção ou fortalecimento das funções físicas e cognitivas, a pessoa que envelhece, para manter-se ativa e saudável, depende de efetiva inserção em atividades produtivas e do estabelecimento de relações interpessoais (Feitosa, 2001). E a poesia carrega em si mesma essa função. Não por acaso existem hoje um sem-número de grupos de leitura, rodas de debate e tertúlias culturais organizados para a população mais sênior.
As discussões em torno do processo de envelhecimento não podem e nem devem excluir os aspectos biológicos envolvidos, mas precisam considerar a relevante existência dos aspectos históricos, sociais e culturais nesse processo (Arantes, 2006).
O envelhecimento populacional implica nova orientação em termos de uma perspectiva acerca do papel desempenhado pelos idosos na sociedade atual. É preciso que a sociedade, de forma geral, repense com urgência as atitudes em relação ao idoso a fim de evitar que a velhice passe a constituir mais um problema social, uma vez que está comumente caracterizada como um dos momentos de improdutividade humana, dependência, incapacidade, isolamento e doença. E o mais agravante é que essa concepção distorcida de velhice está sendo incorporada pelos próprios idosos, observem que lástima! (Pinheiro, 1998).
A cada dia mais, o envelhecimento está sendo associado apenas às modificações do corpo biológico que sofre alterações ao longo do tempo, sendo ressaltados os aspectos fisiológicos dos sujeitos idosos, como por exemplo, a diminuição da sua força e da sua coordenação, a redução da sua capacidade visual, auditiva e sua deterioração vocal.
A própria linguagem desses sujeitos tem sido estudada mais detidamente a partir de manifestações decorrentes de processos patológicos. Com relação à linguagem oral, a literatura tem apontado que os idosos apresentam dificuldades para encontrar palavras, dificuldades relacionadas à fluência verbal, inferências e pressuposições. Seu discurso é marcado por prolongamento, passividade na tomada da palavra, desorganização sintática proveniente do grande número de segmentos abandonados e interrompidos, além da incidência de repetições. Afirma-se, ainda, que há um processamento de informações mais lento, ocasionando dificuldade na compreensão (Damasceno, 1999).
Essas são análises relevantes acerca da linguagem do idoso, que merecem toda nossa atenção, na medida em que são encaradas a partir do não-lugar que tem sido dado ao sujeito idoso na sociedade em que vivemos. Sem negar a importância das questões biológicas constitutivas da linguagem, queremos ressaltar que as atividades lingüísticas e suas manifestações não podem prescindir de uma análise histórica e social. A linguagem e os sujeitos da linguagem não são munidos apenas de componentes orgânicos e fisiológicos. Por isso, as análises em torno da linguagem dos idosos não podem ficar meramente pautadas em uma categoria que volta sua atenção para a idade cronológica. Da mesma forma, as manifestações da linguagem desses idosos não podem decorrer apenas do envelhecimento orgânico.
Entendendo que todo sujeito está inserido em uma intrincada rede dialógica, a linguagem é considerada essencial para a manutenção da saúde e da qualidade de vida dos sujeitos em processo de envelhecimento, uma vez que todas as esferas da atividade humana pressupõem um contexto social e o uso da linguagem. É por meio da linguagem que o sujeito se constitui desde o nascimento até a morte. A linguagem está, assim, vinculada à singularidade do homem, que faz uso dela, em todos os momentos da vida, para estar no mundo, interagindo com os outros em diversos contextos sociais (Gamburgo & Monteiro, 2009).
Há estudos apontando como fato complicador as histórias de relação desses sujeitos com a leitura e escrita, muitas vezes, marcadas por situações negativas. Ao serem questionados acerca do processo de escolarização e das experiências de letramento vivenciadas no ambiente escolar, idosos relatam algumas situações que marcaram negativamente suas vidas nesse contexto. Eles afirmam, por exemplo, que não se sentem à vontade para ler e escrever, pois, na escola, sofriam castigo de se ajoelhar no milho a cada vez que não liam ou escreviam de acordo com o padrão esperado (Lourenço & Massi 2009).
Vocês acreditam? Pois é.
Mas há sim uma luz no fim do túnel: a possibilidade de fazer uso da leitura e da escrita pode conceder ao idoso um lugar de sujeito e autor de sua história, expandindo sua qualidade de vida e garantindo-lhe autonomia, mesmo que promovida pelo mergulhar do idoso em versos de um soneto, por exemplo.
Com base nessas afirmações, sabendo que a população de idosos vem se expandindo de forma acelerada e entendendo que o exercício pleno da cidadania, do papel social, só pode ser alcançado na medida em que participarmos de maneira ativa e crítica de ações mediadas pela linguagem escrita, podemos dizer que é extremamente necessário se estimular nos idosos o hábito de ler.
Apesar das dificuldades de adaptabilidade do idoso. Apesar das questões físicas que os acompanham.
E quanto antes, melhor o prognóstico.
Por isso, queridos, dêem livros de presente aos mais velhos em sua família ou no seu círculo de amigos.
E adotem para vocês mesmos esse hábito, mesmo que sejam novos em idade.
Isso pode fazer muita diferença lá na frente.
Pensem nisso com carinho durante a quarentena.
Fiquem em casa. Fiquem seguros. E foquem nos velhinhos perto de você. Nos dias de hoje, um telefonema literário vale mais do que aquele abraço gostoso.