Ponto de vista

Poemas de Tássia Veríssimo


Não sendo humana essa questão do vírus não chega a ser algo que me tire o sono, devo admitir. Claro que me preocupo com os meus humanos, mas eles estão se cuidando e acredito que ficarão bem. Isolamento social, pelo que entendi, é o nome que vocês estão dando para algo que sempre fez parte da minha rotina de cachorra de apartamento.

É claro que eu sinto falta de passear – apesar que sempre saí muito menos do que gostaria – e de conviver com outras pessoas e cachorros. Gosto até de gatos, porém não tenho muito talento com eles. Mas, não está sendo ruim ter os meus humanos em casa o dia todo. Estou mais gordinha por conta da quantidade extra de petiscos, recebo altas doses de carinho na barriga – meu ponto fraco – e tenho desfrutado de privilégios como dormir na cama dos humanos que estão carentes e permissivos.

Para eles essa tal de quarentena está sendo difícil. Choros, ansiedades, preocupações com o futuro, com o dinheiro, com o tudo e com o nada. Humanos são estranhos. Vivem no passado ou no futuro, dificilmente no presente. Nós, cachorros, preferimos levar um dia por vez. Comida, água e boas doses de soneca e brincadeiras.

Desejo que tudo isso passe logo para eles ficarem felizes, apesar de me preocupar com a minha própria solidão quando as coisas voltarem ao normal. Eu não gostava de ficar horas e horas sozinha enquanto meus humanos faziam coisas que não queriam em troca de pedaços de papel. Eu sei que esses papéis compram minha ração e a deles, mas parece tão desgastante o processo.

Quando penso em como será o novo mundo me pego desejando que os humanos, de maneira geral, consigam aplicar em suas rotinas esse tanto de yoga e meditação que andam fazendo on-line para ficarem menos estressados. Seria interessante também que valorizassem mais os talentos que têm, como artesanato, culinária, jardinagem ou mesmo fazer dobraduras em formato de avião e barco no papel. Qualquer coisa que lhes dê prazer e os lembre que todo mundo nasce para ser feliz e não para bater cartão.

Fico triste quando paro para analisar o tanto de tempo que os humanos gastam tentando acumular coisas que não precisam. Na correria de suas rotinas não param para olhar o céu azul do outono ou se permitir passar uma tarde inteira apenas contemplando o nada, existindo no aqui e agora. Minha humana – que pensa que é minha mãe e insiste em me tratar como um bebê apesar dos meus quase três anos de idade – diz que a culpa é do tal capitalismo. Vive em sonhos de revolução, fala sobre um mundo de equidade.

Talvez se ela conseguisse entender meu idioma ficasse orgulhosa em ver que também penso assim É bem verdade que não tenho teorias ou conceitos e não possuo diploma de coisa alguma. Mas, como animal que se sabe bicho, entendo que não faz sentido algum se matar por dinheiro sendo que o mundo nos dá tudo de graça.


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