Nós não usamos blecaute

Texto de Eduardo Frota


Você gostaria de entrar, mas ninguém o convidou.

Ainda assim, notou que a festa lá dentro é um farto banquete. Ranja os dentes: você vai ficar aqui do lado de fora com a gente. Vamos aguçar as fossas nasais para sentir o cheiro das sobras nos pratos dos comensais. Vamos empurrar ouvido adentro a cera acumulada e escutar apenas os graves de conversas emuladas. Nenhuma novidade. Vamos imaginar as mulheres de vestido longo e os homens, de fraque. Logo, logo o sol sorri. Eles não vão resistir.

Cairão num sono profundo.

Se tentarmos entrar, a ladainha será a mesma. Tem que ter dinheiro para reservar uma mesa – diz o porteiro. Tem que se vestir direito – diz o gerente do puteiro. Nenhum a  mais, nenhum a menos, o convescote está sempre regado. Apesar de esnobe e insultuoso, acredita manter-se petulantemente sigiloso. Por isso há blecautes nas janelas. Assim, os que estão lá dentro podem se refestelar à vontade. Ficam com o filé, rechaçam a moela.

Mal sabem eles sobre a revolução que começa a correr.

Fluímos ainda feito uma nascente, brotando devagar da terra, conquistando corações e mentes. Mal percebem eles, enquanto saciam suas ânsias, seus excessos, seus desejos. A gente identifica aquele fiapo de nervo preso entre os dentes. Afinal, a carne é fraca.

Peito, coxa, asa. A carne é muito fraca.

Foto: Boris Thaser

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