Cinco poemas das ‘Liras Perdidas’ de Sousândrade Revista Kuruma'tá, 9 de setembro de 201925 de outubro de 2019 Texto e seleção de poemas de Toinho Castro Fui apresentado à poesia de Sousândrade pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, no livro Re visão de Sousândrade, há muitos anos. Recentemente, passeando pelo centro do Rio, encontrei na Banca do Olivar, ali na Carioca, um livro que estampava na capa: Sousândrade – Inéditos. Dada a raridade da ocorrência do poeta, saquei os dois reais que Francisco Olivar cobra por qualquer livro exposto na sua banca e sentei numa mesa do galeto ali do lado para apreciá-lo. E que beleza! Trata-se de uma edição crítica, com introdução e notas de Frederick G. Williams e Jomar Moraes, publicada em São Luiz do Maranhão em 1970, trazendo à luz os poemas de Harpa de Ouro e Liras Perdidas, manuscritos que se julgavam perdidos para sempre e que acabaram descobertos por Frederick, na Biblioteca Pública do Maranhão. O pesquisador norte-americano estava no Brasil para elaboração de sua tese de doutorado em Literatura Brasileira, tendo a vida e obra de Sousândrade como tema. Hoje, relendo o livro, resolvi selecionar e compartilhar alguns de seus poemas e dar visibilidade nesse mar de coisas da internet, aos versos do poeta maranhense que o Brasil insiste em esquecer. No mais, recomendo buscar pelo poeta nos sebos do país e falar sobre isso no seu blog, no Facebook, Instagram, o que seja. Um poeta da importância de Sousândrade precisa ser lido e relido e discutido e trabalhado, nas conversas, nas salas de aula, nos grupos do zap. Borboleta e Raio do Sol(Paris, 1855) Da selva frondosaNa sombra acordouGentil pousalousaCentelha, voou. E as aves trinaramE a brisa correuE as ondas rolaramDe azul como céu: Que doce harmonia!Que amena soidãoRaiando do diaA luz! E a visão Do sol, que apareceDentre oiro e rubi,Dos montes, e desceDos vales. Eu vi Gentil pousalousaQual olhos de amor,Turbada – encantadaNo prado e na flor. E os raios em molhossol s’ergue aos céus,E a louca é qual olhosAos vãos escarcéus: Nos bosques, agora,Na várzea de luz,No lago de auroraQue a chama e seduz, Dos bosques, perdidaNo aroma, no amor,Aos raios erguidaBalança-se a flor… O aéreo amarantoQuem viu? – Se perdeu.Dizei dela o encanto:Amou e… morreu. Que sorte minguada!Que triste existirDa vida irradiadaDe glória e de rir! Mas – que nos importaSer onda ou ser Théos,Se o mar não aportaPra fora dos céus? Sopa, assado e sobremesa Sopa, uma gota d’orvalhosobre uma folha de acácia;assado, uma asa de borboletadoirada pelo raio do sol;sobremesa, uma pétala de rosameio-roída por uma abelha. Catulle Mendès(Banquete das fadas) Bebo, bebo a sopa-orvalhosEm prato de açucenal;Colheradas beijos-hinos! Hinos! hinos!– Comi mal-assada, em sal, Asa bela ao sol doirada,– E o doce virgíneo melSobremesa-paraíso Riso! riso!No dedo lhe pondo o anel. Ai o prado d’alva acácia!Brando – sonoro Bemol!– Ai grelha a chiar do assado Tão doirado!– Ai sobremesa do sol! – Sala de jantar, natura,Roseirais; relvas, abril,Cantos, encantos, paraíso, Riso, riso,Onda pura e céus de anil. – Que as fadas dançando adiantesCom vestes de oiro e de tul:Em punho as taças-diamantesLevantem, brindes, ovantes(Dou o champanha) a Catulle. Green-Star(New York) – Como os céus formosos brilham!venha ver a Ursa maior!a Ursa menor – “Vinte trilhamUrsas nos céus! que terror!Sei de um urso”… – Que inimigo!…Mamã! mamã, quantas Ursashá nos céus? – Duas. “Vos digo,menina, três.” – Oh Senhor!“Tá! tá! tá!…” – Allright, e calo.mas, aquela estrela é verde –“Verde? girl?! eu, rose-opalovejo-lhe o lume tremer.”– Já começa… é verde! é verde! –“É amarela, mulher!verde há uma…” – Há vinte! há trinta!toda a terra a enverdecer! –“Que a vencedora não minta!verde esp’rança! oh meu tesoirodestes amplos firmamentosCheios qual dos pensamentosdesta bela terra em flor!Quando frouxas meadas de oirose desatam, luminososteus cabelos gloriosossão qual do astro o resplendor!Na tua voz há luz, centelhasdestas rosas do Sarão:verde estrela! verde estrelatu, que me roubas a calma,que nos olhos tens tua alma,há, entre os céus e o horizonteamor… tens amor?” – I dont’t! – Flirtations(Manhattanville) Ninguém ande à encruzilhadaPor noites de São João –Vejam a mal-assombrada,Meninas! “Oh, a visão!…” – Cora, qual é tua sorte?“Na Quinta Avenida, à corte,Casarei.”– Sempre never cada Fanny?“Morrerei.”– E tu, Augusta, rubores?Vão ver, que sorte de amores…“Eu sonhei.” Pior do que encruzilhadasDe visões; portas e escadasDestes céus de ManhattánCom que aí stão-se aninhandoAlvoradas? matinandoToda a noite até manhã?“Fogo! fogo! é rato! é gato!”– Matinada de Babel!Meninas, mudem de quarto,Há mais quem durma no hotel! São as três; doirada tarde,Vêm da escola e em risos ledos,O olhar longínquo de que arde,Atiram beijos co’os dedos. Ora, estudando as lições:“Diga, diga, as professorasDeram tese – Os dois vulcõesMaiores – Belas senhoras,Há crescenças… sobre os AndesQue são da terra as mais grandes…Rindo Fanny, Cora aladaE ar Augusta de graduada –“Andes são serras: vulcões,Sir! os maiores do mundo!?”– Oh! que estão no céu profundoChamas lançando em festões?“Yes! Yes!”– Que rugem? `strugemCom lavas bravas?!“Yes! Yes!”– São, my girl, dois corações…“Oh! oh! oh!” A Francisco OlivarLeituraLiteraturaMaranhãoPoesiaSousândrade