Cinco poemas das ‘Liras Perdidas’ de Sousândrade

Texto e seleção de poemas de Toinho Castro


Fui apresentado à poesia de Sousândrade pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, no livro Re visão de Sousândrade, há muitos anos. Recentemente, passeando pelo centro do Rio, encontrei na Banca do Olivar, ali na Carioca, um livro que estampava na capa: Sousândrade – Inéditos. Dada a raridade da ocorrência do poeta, saquei os dois reais que Francisco Olivar cobra por qualquer livro exposto na sua banca e sentei numa mesa do galeto ali do lado para apreciá-lo. E que beleza!

Trata-se de uma edição crítica, com introdução e notas de Frederick G. Williams e Jomar Moraes, publicada em São Luiz do Maranhão em 1970, trazendo à luz os poemas de Harpa de Ouro e Liras Perdidas, manuscritos que se julgavam perdidos para sempre e que acabaram descobertos por Frederick, na Biblioteca Pública do Maranhão. O pesquisador norte-americano estava no Brasil para elaboração de sua tese de doutorado em Literatura Brasileira, tendo a vida e obra de Sousândrade como tema.

Hoje, relendo o livro, resolvi selecionar e compartilhar alguns de seus poemas e dar visibilidade nesse mar de coisas da internet, aos versos do poeta maranhense que o Brasil insiste em esquecer.

No mais, recomendo buscar pelo poeta nos sebos do país e falar sobre isso no seu blog, no Facebook, Instagram, o que seja. Um poeta da importância de Sousândrade precisa ser lido e relido e discutido e trabalhado, nas conversas, nas salas de aula, nos grupos do zap.


Borboleta e Raio do Sol
(Paris, 1855)

Da selva frondosa
Na sombra acordou
Gentil pousalousa
Centelha, voou.

E as aves trinaram
E a brisa correu
E as ondas rolaram
De azul como céu:

Que doce harmonia!
Que amena soidão
Raiando do dia
A luz! E a visão

Do sol, que aparece
Dentre oiro e rubi,
Dos montes, e desce
Dos vales. Eu vi

Gentil pousalousa
Qual olhos de amor,
Turbada – encantada
No prado e na flor.

E os raios em molhos
sol s’ergue aos céus,
E a louca é qual olhos
Aos vãos escarcéus:

Nos bosques, agora,
Na várzea de luz,
No lago de aurora
Que a chama e seduz,

Dos bosques, perdida
No aroma, no amor,
Aos raios erguida
Balança-se a flor…

O aéreo amaranto
Quem viu? – Se perdeu.
Dizei dela o encanto:
Amou e… morreu.

Que sorte minguada!
Que triste existir
Da vida irradiada
De glória e de rir!

Mas – que nos importa
Ser onda ou ser Théos,
Se o mar não aporta
Pra fora dos céus?


Sopa, assado e sobremesa

Sopa, uma gota d’orvalho
sobre uma folha de acácia;
assado, uma asa de borboleta
doirada pelo raio do sol;
sobremesa, uma pétala de rosa
meio-roída por uma abelha.

Catulle Mendès
(Banquete das fadas)

Bebo, bebo a sopa-orvalhos
Em prato de açucenal;
Colheradas beijos-hinos!
           Hinos! hinos!
– Comi mal-assada, em sal,

Asa bela ao sol doirada,
– E o doce virgíneo mel
Sobremesa-paraíso
           Riso! riso!
No dedo lhe pondo o anel.

Ai o prado d’alva acácia!
Brando – sonoro Bemol!
– Ai grelha a chiar do assado
           Tão doirado!
– Ai sobremesa do sol!

– Sala de jantar, natura,
Roseirais; relvas, abril,
Cantos, encantos, paraíso,
           Riso, riso,
Onda pura e céus de anil.

– Que as fadas dançando adiantes
Com vestes de oiro e de tul:
Em punho as taças-diamantes
Levantem, brindes, ovantes
(Dou o champanha) a Catulle.


Green-Star
(New York)

– Como os céus formosos brilham!
venha ver a Ursa maior!
a Ursa menor –
          “Vinte trilham
Ursas nos céus! que terror!
Sei de um urso”…
         – Que inimigo!…
Mamã! mamã, quantas Ursas
há nos céus? –
         Duas.
           “Vos digo,
menina, três.”
         – Oh Senhor!
“Tá! tá! tá!…”
         – Allright, e calo.
mas, aquela estrela é verde –
“Verde? girl?! eu, rose-opalo
vejo-lhe o lume tremer.”
– Já começa… é verde! é verde! –
“É amarela, mulher!
verde há uma…”
         – Há vinte! há trinta!
toda a terra a enverdecer! –
“Que a vencedora não minta!
verde esp’rança! oh meu tesoiro
destes amplos firmamentos
Cheios qual dos pensamentos
desta bela terra em flor!
Quando frouxas meadas de oiro
se desatam, luminosos
teus cabelos gloriosos
são qual do astro o resplendor!
Na tua voz há luz, centelhas
destas rosas do Sarão:
verde estrela! verde estrela
tu, que me roubas a calma,
que nos olhos tens tua alma,
há, entre os céus e o horizonte
amor… tens amor?” – I dont’t! –


Flirtations
(Manhattanville)

Ninguém ande à encruzilhada
Por noites de São João –
Vejam a mal-assombrada,
Meninas! “Oh, a visão!…”

– Cora, qual é tua sorte?
“Na Quinta Avenida, à corte,
Casarei.”
– Sempre never cada Fanny?
“Morrerei.”
– E tu, Augusta, rubores?
Vão ver, que sorte de amores…
“Eu sonhei.”

Pior do que encruzilhadas
De visões; portas e escadas
Destes céus de Manhattán
Com que aí stão-se aninhando
Alvoradas? matinando
Toda a noite até manhã?
“Fogo! fogo! é rato! é gato!”
– Matinada de Babel!
Meninas, mudem de quarto,
Há mais quem durma no hotel!

São as três; doirada tarde,
Vêm da escola e em risos ledos,
O olhar longínquo de que arde,
Atiram beijos co’os dedos.

Ora, estudando as lições:
“Diga, diga, as professoras
Deram tese – Os dois vulcões
Maiores – Belas senhoras,
Há crescenças… sobre os Andes
Que são da terra as mais grandes…
Rindo Fanny, Cora alada
E ar Augusta de graduada –
“Andes são serras: vulcões,
Sir! os maiores do mundo!?”
– Oh! que estão no céu profundo
Chamas lançando em festões?
“Yes! Yes!”
– Que rugem? `strugem
Com lavas bravas?!
“Yes! Yes!”
– São, my girl, dois corações…
“Oh! oh! oh!”