Juazeiro na Califórnia – Oito poemas de Márcio Fabiano

Poemas de Márcio Fabiano


Dizer que o baiano de Juazeiro, Márcio Fabiano, é publicitário é dizer muito pouco. Mas é um bom começo. Amigos de muitos anos, mas não o suficiente que nos torne velhos. Ou melhor, que sejamos velhos, na melhor acepção da palavra! E com isso velhos amigos nos define bem. Há tempos venho pedindo a Márcio, poeta temporão e safadinho, como ele mesmo diz, uma colaboração (ou muitas!) para a Revista Kuruma’tá. E eis que ele me envia esses poemas de sua lavra, escritos, olhe só, na Califórnia.

Comecei a escrever antes de ir ver o mundo. Na Califórnia, solitário, iniciei minha obsessão por saudades. As paixões renderam rimas e imagens. Mas não são cupidos eficientes. Continuo solteiro.

A Kuruma’tá é um espaço de amizades e afetos, sempre, e receber Márcio Fabiano e sua poesia é privilégio e alegria. Que seja esta a primeira de muitas presença do poeta na nossa revista. Seja bem-vindo à Kuruma’tá, Márcio!

Toinho Castro
[Editor]

Fotos de Lara Bonfim Braga

O GERENTE COM A GRAVATA DO GARFIELD

Eu nunca vou parir os filhos do gerente com a gravata do Garfield
Nunca vou pôr a mesa para ele jantar nem visitar sua mãe no domingo à noite.
Eu nunca vou convidá-lo para ver um filme com final feliz e nem vou rever o que poderia ser nosso álbum de casamento e ouví-lo repetir que eu estava linda.
Nem vou levar a cerveja para ele beber enquanto assiste o jogo na TV
E nunca vou estar ao seu lado no carro, janelas abertas e o vento como testemunha dos meus dedos em sua nuca.
A nuca do gerente com a gravata do Garfield
Eu nunca

Não vou voltar de uma festa, longo preto e saltos e, no quarto, despir-me enquanto ele observa.
Ele, a fera. Eu, a presa mais feliz do mundo.
Não vou sentir o sexo do gerente com a gravata do Garfield, não vou provar seu hálito, nem negar os seus pedidos e vê-lo aumentar sua fúria.
Não vou acordar feliz ao seu lado.
Nunca
Nesse sonho eunuco, pela manhã, outras acordarão.


POR AÍ

Para onde vou nessa agonia?
Se abro a porta, sangria
Quando a fecho, fobia
Para onde vou nessa noite esguia?
Vejo a pedra, tropeço
Espero a sombra e ela me ultrapassa
Não conto medidas
Não curo feridas
Não busco saídas
Para onde vou?
Não tenho resposta e soluço
Para onde vou?
Apenas a sombra aponta o caminho.


SILÊNCIO

Eu sonhei que você vinha e não falava nada
Pegava na minha mão, apontava o caminho e eu seguia, silencioso
Eu sonhei que você vinha e não falava o que queria
Pedia com os olhos.
Silencioso, eu atendia
cedia com mais força
eu gemia
Após o fastio, você dormia
E, sem palavras, eu te guardava:
– Dorme, amor, dorme!
E, quando acordar, silencia.
Eu estou sonhando.


ANIVERSÁRIO

Bebi, bebi, bebi, bebi.
feito uma cachorra.
Uma louca.
Bebi feito uma vagabunda, abrindo os dentes, salivando sua carne.
Gastei meu riso.
Joguei fora toda minha reputação, riscando as sílabas do início ao fim para mostrar o que realmente sou:
— Feliz aniversário, puta!
Sem arrependimentos.
Eu tenho aspirinas.

Nunca entendi você
Quando estou, ausência
Quando saio, ardência
Quando volto, demência
É difícil amar assim


SOSLAIO

Ele vem, passa e soslaia
Eu sigo
Ele volta e soslaia
Eu finjo
Ele pára e mira
Eu olho para trás
Ele passa na minha frente e senta
Eu soslaio e sigo.


RG

Eu nasci sem pulso
Filho do faceiro, neto do gigante, cresci delicado
Meu pai se enroscou nas teias da rede que ele ofereceu à minha mãe
Ela tentou ser agulha e pôr a teia em ordem
A agulha cegou, o novelo caiu e o fio se perdeu
Eu nasci sem pulso.
Perdido, o fio sou eu.


OS OLHOS DELE

Os olhos dele são compasso.
Negros e redondos marcam meu passo
Nos olhos dele, Íris, eu sou espaço


CONTABILIDADE

Eu não tenho idade
Eu tenho a metade do que vivi
Com o resto, faço planos para os dias que virão
Sem saber que nessa contabilidade cronológica, minhas contas não tem fim nem lógica
Sob essa ótica, sou um calendário apagado que, ao marcar os dias, não vê que o tempo já passou