Esaú e Jacó: o outro, o leitor

Texto de Nonato Gurgel


Publicado em 1904, Esaú e Jacó é o penúltimo livro de Machado de Assis. Uma das primeiras coisas que chamam a atenção neste romance, é que se trata de um texto sobre a diferença. Uma prosa sobre a discórdia. Sobre temperamentos opostos às ideias políticas – republicanos x monarquistas. Uma ficção do ‘desacordo no acordo’.

Esaú e Jacó é um livro sobre o outro. Um texto sobre o leitor. Com ele, Machado dialoga o tempo inteiro. Nesse dialogismo, o autor pede que o leitor volte a página; ratifica ser melhor ler com atenção, faz distinção entre homens e mulheres, como leitores, e poupa o leitor apressado de alguns porquês. Esse diálogo com quem lê atravessa toda a narrativa. Nela predomina o intertexto com autores com os quais Machado dialoga ao longo de sua produção estética, como Homero, Dante, Cervantes e a Bíblia.

Como reza a ‘Advertência’ do autor, Esaú e Jacó são os seis cadernos escritos pelo Conselheiro Aires com tinta encarnada. Leitor que amava os livros e suas releituras, homem chegado às Letras clássicas, Aires gostava de escrever cadernos, bilhetes e cartas. Cordato, esse diplomata não era chegado a paixões nem casamentos. ‘Era homem de todos os climas’. Tinha o feitio do solteirão que elege a solidão a ser atravessada a sós…

É no Catete onde mora Aires – o ex-ministro aposentado que oferece almoços (repletos de salmão e ofícios), para os gêmeos Pedro e Paulo e a bela Flora. É também no Catete onde termina o Conselheiro ‘apalpando a botoeira, onde viçava a mesma flor eterna.’ Alguém vai morrer em Esaú e Jacó; e não é Aires. Ele e o seu memorial estarão vivíssimos no último romance de Machado, Memorial de Aires.

Neste livro feito de micro-narrativas, pequenos contos, canções sertanejas, quadrinha espanhola, ditos populares relidos, Machado dialoga com o alemão Schlegel, de Conversa sobre a poesia e Outros fragmentos que diz: ‘um crítico é um leitor que rumina. Ele deve, portanto, ter mais de um estômago’. Em Esaú e Jacó lemos: “O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estômagos no cérebro, e por ele faz passar e repassar os atos e os fatos, até que deduz a verdade…’