Quando vai terminar?

Mais um nome novo e querido chegando na Revista Kuruma’tá. Dessa vez é do poeta e parceiro de letras e sonhos e resistências, Dênis Rubra. Dênis está marcado no comecinho dessa aventura, quando topou editar, pela sua Rubra Editora, o Lendário Livro, coletânea que reuniu poemas de Aderaldo Luciano, Braulio Tavares, Nonato Gurgel, Numa Ciro, Otto e Toinho Castro! Ali, naquele encontro de poetas, nascia a semente da Kuruma’tá. E agora a gente tem a alegria de editar o Rubra aqui na nossa revista, essa nova aventura! Bem-vindo, amigo!

Texto de Dênis Rubra


Kazimir Malevich – Morning in the Village after a Snowstorm, 1912

Por um tempo nos perguntávamos sobre quando começou. Se teria sido em 2013. Se teria sido em 2016. Ou se antes. Onde estávamos e o que fazíamos enquanto os pés do absurdo caminhavam lentamente até aqui? Mas “ah, como esta hora é velha!… E todas as naus partiram!”. Hoje, a voz que nos grita se pergunta à beira do precipício: quando vai terminar?!

O privilégio das pequenas alegrias. O dom do sonho. O poder ver algum azul de outono e sorrir qualquer vaidade mesquinha. Como era bom poder ser mau. A maldade dos antigos inimigos até guardava alguma semelhança conosco. Como era bom. Poder se sentir impotente, mas vivo. Poder acordar perdendo, mas com a ilusão da vitória possível. Hoje não deu, amanhã será.

Hoje, o amanhã é só outro ontem que insiste. E quando vai terminar? Todos os ontens agora acumulados em um só instante contínuo! Que peso, não? Que tempo é este em que o tempo parece ter se esquecido de um direito tão básico que tínhamos: acordar para encerrar os pesadelos. Hoje não deu, amanhã parece que também não vai dar.

Então quando vai terminar? Enquanto ao mundo pesa a tristeza de terem de se isolar uns dos outros. A nós, este peso se adiciona ao pavor de nos vermos tão próximos, mas da barbárie. E como pesa. E como é difícil. A cada dia, a cada entrar e sair de nosso palácio em ruínas, alguma faca fere ao mesmo tempo todos nós. E algum sino que soa parece marcar o hoje correndo livre em direção ao amanhã. O amanhã cada vez mais ontem… O mau cada vez maior. E não porque ele seja grande. Mas porque nós é que vamos ficando menores ao permitirmos que ele prossiga. Antes que ele nos termine. Será que vai terminar?

Antes que ele nos termine. Quando vai terminar? Esse insistir do tempo. Esse jeito sutil de recriar os horrores. Essas âncoras da manhã que nos ancoram dia a dia, todo dia, ao mesmo passado que se mantém presente, sufocando o futuro. Angústia. Desnorte. Quando vai terminar? Quando seremos capazes de alcançar algum amanhã possível? Um hoje em que possamos ter a alegria das pequenas tristezas. Um ontem pra se deixar pra trás. Um agora em que faça sentido nos perguntarmos como começou. Agora não dá. Hoje só dá pra tentar chegarmos amanhã.

Pois é. Meu caro Chico, perdão, mas – ao que parece – seu hoje voltou. Ou seu ontem não passou. Não sabemos. A verdade é que estamos juntos. Ainda. Ainda na mesma canção. Ainda aguardando. O momento. Quando chegar.