¿Una mariposa en mi pecho?

Texto de Eduardo Frota


A gente faz exame pra ver o que tem lá dentro. Pra ver o que a gente não consegue ver quando fica de frente pro espelho. O que não quer dizer que a gente não sinta. O negócio tá lá tão dentro, mas tão dentro, que há quase uma certeza absoluta de que provavelmente somente um exame pode dizer o que é.

Mas a gente tem que aprender a ler exame. Médico aprendeu a ler exame. A gente, não. A gente aprendeu a ler, mas nem todo mundo pratica a leitura. Porque pra certas leituras não basta identificar as letras. Acreditem: há quem não saiba ler poesia. Muitos por aí não sabem ler o outro também, seus semelhantes, que têm a mesma quantidade de olhos, pernas e braços. Quanto mais exame, quanto mais bula de remédio, quanto mais dicionário, quanto mais as entrelinhas, quanto mais sei lá o quê. Cada vez fica tudo mais difíci de ler.

Só que o incômodo existia. Não era questão de leitura, era latente lá dentro na altura do peito. Então eu fui ao médico e ele pediu pra fazer um exame, uma chapa, um raio-x, que era pra que ele pudesse ler o que havia em mim. Depois, podia receitar um remédio. Pra mais tarde ele repetir o exame e ver se aquilo que eu estava sentindo já havia ido embora.

— Há quanto tempo você sente isso?
— Muito tempo.
— Muito quanto?
— Mais de ano, menos de mês.
— Parece com o quê?
— Não sei explicar.
— Usa uma metáfora…
— Tipo aquilo de poesia?
— É. Tipo parecem borboletas no estômago.
— Não, nem parece. É mais em cima.
— Sim, mas tipo isso. Usa uma metáfora tipo isso.
— Tá mais pra mariposa.
— Onde?
— No peito, né?
— Mariposas no peito…
— É que mariposa não voa leve. Voa pesado.
— Bate nas coisas, né?
— É, borboleta pousa. Pousa nas flores.
— Mariposa se debate contra as paredes, né?
— É, e ela não é colorida. É sempre da mesma cor.
— Mas tem grande e pequena, né?
— Tem, verdade. Mas borboleta não?
— As borboletas no estômago costumam ser do mesmo tamanho.
— Aí o remédio é sempre o mesmo, então…
— Nem sempre, porque há quem goste delas.
— No estômago?
— Sim! Você ficaria surpreso.
— Só se chamar um caçador de borboleta.
— Hahahahahahahaha!
— Hahahahahahahaha…
— Vou botar isso na receita da próxima vez.
— A sua letra parece um voo de borboleta, até.
— Borboleta é bom, que é fácil de desenhar.
— Mariposa é difícil. Acho que não consigo.
— Tá ligado que borboleta em espanhol é mariposa?
— Olha, não sabia!
— ¡Una mariposa!
— En mi peito…
— Pecho. Peito em espanhol é pecho.
— Ah, bacana!
— Mas seu caso, ao que parece, é mariposa no peito mesmo.
— Se for, tem cura?
— Ah, sempre tem. Boas chances delas voarem embora.
— Delas?
— Quase sempre andam em bando. Tipo borboleta.
— Inseto é foda, né?
— Porra, nem me fala. Me amarro em inseto.
— Eu também.
— Bom, faz o exame e volta aqui pra gente ver o que é.

O exame deu uma mancha. Mas nem era no pulmão, não. Era bem no coração mesmo. Dava pra ver ele manchado mesmo sem saber ler exame. Voltei ao médico com a chapa debaixo do braço. Ele olhou, olhou mais um pouco e resolveu pedir uma segunda opinião de um colega que entendia desses negócios de metáfora. É que não era mariposa no peito. Pediu pra entrar no consultório um amigo que era poeta, que sabia ler essas coisas. O poeta, com um semblante tranquilo no rosto, chegou perto do exame. Franziu o cenho. Colocou os óculos pra perto e olhou, olhou mais um pouco. Colocou os óculos para longe e leu tudo de novo. Virou-se pra mim, mas não havia sorriso.

— Já vi isso antes.
— É mariposa, né?
— Nem é. Isso aí é saudade mesmo.
— Saudade sai em exame desde quando?
— É que tem que aprender a ler.
— Mas e agora?
— Toda vez que você fizer um exame, vai aparecer.
— Não vai embora?
— Não, nem é como borboleta no estômago.
— Mariposa…
— Nem como mariposa no peito.
— E tem remédio.
— Sinto muito, não tem.
— Então o que eu faço?
— Aprenda a ler.
— Exame?
— Não, poesia.
— E vai adiantar.
— Talvez.
— Mas e se não adiantar?
— Pelo menos você vai ter aprendido a ler poesia.
— E a saudade vai embora?
— Quando você aprender a ler, não vai querer que ela vá embora.
— Mas não é bom…
— Também não é ruim…
— Mas eu queria um remédio.
— Só que não tem receita pra isso.

Estava escrito no laudo que quem aprende a ler poesia consegue botar borboleta pra pousar no jardim. Ou botar mariposa pra se debater nas paredes.

Foto: arte feita pela tatuadora alemã Leitbild 
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