“Para quem insiste em sonhar” — A poesia de Maria Clara Parente

Texto de Toinho Castro

Duas palavras que eu gosto na língua portuguesa, essa nossa língua. Um delas é réstea. A outra é fresta. São palavras que estão ligadas… normalmente, é através de uma fresta que vaza a luz numa réstea, numa réstea de sol. A fresta, então, é uma passagem. Mas há algo que, nela, no seu entre, resta. Algo que não chegou a este lado e não está mais do lado de lá . Algo obscuro, apenas percebido.. Algo de nós, ou de além.

Recebi, da poeta Maria Clara Parente, o seu livro nas frestas das fendas. Na dedicatória ela me escreveu: esse livro é uma forma que encontrei de olhar nas frestas (7Letras, 2020). Perdão, Maria Clara, pela indiscrição, ao revelar aqui parte de uma dedicatória. Mas quando a li, a dedicatória, eu a recebi como um convite a perceber as frestas, essas fissuras que estão, afinal, em toda parte, do mundo e de nós. E achei fantástico esse convite, não para atravessá-las, como a luz, o sopro, não para espiar o outro lado, mas para olhar bem pra elas, reparar no que ali se acumula, no que ali germina.

Viro a página da dedicatória e adentro esse território que Maria Clara nos oferece com sua poesia. As pessoas costumam muito relacionar o romance literário, o conto, a prosa em geral, à ideia de criação de mundos. Talvez o fato de ter cenários, narrativas, personagens… talvez isso estimule esse pensamento. Mas a poesia é criadora de mundos também.

E é um mundo inteiro que encontramos nesse tecido de palavras, de tudo que se agarrou na passagem das fendas, das fissuras. A poeta anda pelo mundo, passa por Altamira, Berlin, Cartagena; placas tectônicas, cartografias ilusórias, sonhos… mas o tempo inteiro (O que é mesmo o tempo?) a poeta se move dentro de si. Toda poesia é essa viagem pra dentro, desses encontros dispersos, das luminosidades que escapam. O íntimo, não revelado, mas percebido. Leio cada poema sem definir a leitura, apenas me surpreendendo e encantado com a precisão dos versos, às vezes contra a imprecisão da vida, às vezes de mãos dadas com ela.

o ser humano é a fresta, por onde tudo passa. E é em nós que fica um pouco de quase tudo. O poema é o espaço dessa transição entre mundos, filtrando, interpretando e propondo o que talvez seja um modo de transcender essa existência nas fendas das frestas.

A você que me lê, sugiro com alegria a leitura desse livro de Maria Clara Parente. Não poderia estrear nas estantes com mais pertinência, essa poeta. A experiência poética é sempre rica, pois nos desloca do óbvio, desse mundo que se impõe como narrativa única, onipresente, e nos deriva por ventos e correntes inesperadas. A poesia desse livro, essa poesia sensível ao mais humanos em nós, ao humano do amor, da dúvida, da busca permanente e do olhar que não evita esse outro, agarrado às frestas da nossa condição.