Marfê na Kuruma’tá

A conexão Maranhão está a todo vapor! O poeta Felipe Gabriel, ou Marfê, , que nos chega altamente recomendado pela também poeta Micaela Tavares, traz pra gente uma poesia carregada de força contra a roda que esmaga gente, mas também fresca, vívida, amorosa, vibrando ao sol. Bem-vindo, Marfê, à Kuruma’tá!


EU RECONHEÇO AGORA

Quando quis ser doce, fui amargo
Quando quis ser companhia, fui a peça errada que não encaixou
Foi mal pela falta de tato, pelos meus olhares perdidos, estava tentando resolver todo caos interior
A gente se amou no tempo errado
Como eu poderia ser o seu o sonho, se eu era a sua insônia?
Eu sei, eu sei, você realinhou a sua rota e eu fico feliz por isso, por favor, acredita em mim
Sei que foi bem melhor para nós dois a distância, nos regulamos
Descobrimos um novo ser dentro de nós, cada um em seu próprio apê, colocando seus próprios estilos musicais bem distintos
Você colocava Vivaldi – La Primavera e eu colocava Liniker – Psiu
Você optava por beber uma cervejinha no barzinho que a gente amava e eu decidia me arrumar para mais tarde assistir à uma peça dramática para despejar toda a minha saudade de você naquele lindo teatro
E assim eu finalmente descobri a falta que você faz, me desculpa

SABE NADAR?

Feche os olhos
Escute o mar
Respire fundo
Abstrato exclusivo só pra quem sabe nadar no meu mar
Sabe nadar? Nade em mim, sinta a minha água salgada e deixa eu te temperar
Dê um bom mergulho e fale “que delícia”
Sabe nadar? Cuidado para não afundar nos meus textos molhados, a correnteza é confusa e não faz sentido
Se eu puxar você para baixo, você estará no topo
O salva-vidas da ilha se chama “ALÍVIO”, sim, o mesmo que a gente sente de chorar por horas
Sabe nadar? Não? Não tem problema, eu abrirei, com meu tridente, o caminho certo para você chegar à beira do mar da renovação

SUMI, VIREI ARTE IMATERIAL

Não poderás mais me abraçar
Não poderás mais me beijar
Talvez poderás me sentir, porém no âmago da madrugada e de forma surreal
Não te prendas a mim, até porque não sou mais um, virei muitos
Sumi, virei arte imaterial
Não sei se terás dificuldade na reflexão, introspecção cruel
Me observarás no seu ouvido e no seu estômago embrulhado
Sumi, virei arte imaterial
Amarelo queimado fictício
Vermelho sangue surreal
Roxo desconfortável interior
Azul tristeza temporário
Verde misterioso sinistro
Marrom despelado eterno
Sumi, virei arte imaterial
E ainda me procuras.

ÚLTIMO TIRO

Eu nunca ganhei flores, mas me nego recebê-las somente em um funeral
Os 80 aplausos foram silenciados e transformados em 80 caçadores de alma e nunca escutarei a música desse meu irmão de cor
A vermelhidão que eu gostaria de ver era a de um guará alçando voo à beira-mar, e não espalhada no asfalto quente ou no chão de terra batida, consegue entender?
Quando será o último tiro?
Dizem que a vista do último andar dos apartamentos é sempre a mais bonita, menos naquele 2 de junho, gostaria de ver aquela criança cheia de vida sonhando mais
Acordo, esquento o café, vejo o jornal anunciar mais uma morte e volto há 2018 me perguntando “Quem será que matou?”
Os tiros tiram e tiraram a vida dos meus irmãos!
Os tiros tiram e tiraram a vida dos meus líderes!
Ergo o meu braço direito com a mão fechada!
Uso preto para expressar minha força e minha dor!
Não pense que sou amargo, só estou mais realista
Nunca mais as ilusões gritaram contra mim
Apenas me pergunto “Quando vou ganhar flores e quando será o último tiro?”

MAKTUB

Olha, esse Maktub me bagunçou de um jeito…
Não pediu licença e puxou o meu tapete (a queda foi feia)
Já peço desculpa pela acidez na segunda-feira, mas não posso fazer muita coisa sobre isso
Apenas escrever, escrever para não gritar comigo, escrever para centrar a energia no que importa
Bom, tinha que acontecer, não posso negar
Porém, o objetivo desse jogo não vingou o que sempre planejei e pensei
Realmente, estava gravado nas estrelas, mas olha… me surpreendi
Maktub clichê, que me desorientou e me fez crer que tudo ia dar certo
Hoje observo e interpreto a distância como ALÍVIO
Pra quê ficar se não quer, não é mesmo?
Maktub, pois te vi no show, mas não era você
Maktub, pois te vi no nome de escolas, farmácias e restaurantes, mas também não era você
Te vejo em muitos lugares ainda
Maktub, pois o frio que foi me dado se equilibrou com o cobertor mental que eu sempre tive
Suportei
Consegui mudar
Faz 1 mês que passo 1 hora da noite deitado observando o céu e lendo as estrelas
Você, eu nem quero saber onde está
Maktub eterno

CARAMBOLAS “VERANO”

Pedaços de sol
Doces e azedos
Transbordando na bacia
Eu amo o teu sítio
Carambolas “verano”
Sempre caem bem em dias como esses
Cadeiras e mochilas no porta-mala
Vamos à praia
Tua melanina conforta a minha
Pele de prata preta brilhosa
Carambolas “verano”
Gosto de beijo
Eu repito
Fala verão em espanhol de novo
Por favor
Me dá mais um beijo

EU PRAIA

Minha pele com pelos é a areia de uma praia deserta
Quente e que esfolia
Minha boca tem gosto de mar
Meus dentes brancos são conchas raras
As curvas são dunas para você escalar
Não tente encontrar algum “x” por aqui
O único tesouro que eu posso te dar é a brisa da minha voz ao teu ouvido

UMA TAÇA DE VINHO ROSÉ

Domingo cativante
Cerejeiras no quintal
Perfume de bambu por toda a casa
Cortinas brancas dançam com o vento, bela valsa
Piso de madeira clara e cara
Escada confortável que te leva ao meu escritório
Me olhas de um jeito espirituoso
Colocas “Valerie” da Amy, porque sabe que é a minha favorita
Pegas uma taça de um vinho rosé
E fazes do meu dia, um dia frutado.


Felipe Gabriel – Marfê (22 anos):

Felipe Gabriel, estudante de administração da UFMA, busca intensamente enxergar a vida por uma ótica mais poética possível para aliviar-se do cotidiano caótico de um jovem adulto preto nordestino a partir de seu pseudônimo Marfê. Poeta que aborda várias situações com a sua singularidade artística, tem muito a agradecer ao teatro, sua primeira casa da criatividade, em que dos 13 aos 15 anos viu suas habilidades se expandirem até receber o prêmio de melhor ator em um festival cultural. Marfê nasce a partir de sentimentos reprimidos e da revolta pelas injustiças que fazem do mundo, um lugar mais pesado, manifestando-se juntamente com a fúria e a beleza do mar.