Que alegria essa irmã angolana cruzando o Atlântico, para alcançar aqui a Kuruma’tá, em terras brasileiras, com sua poesia. Maria Chimbili, ou Nakamela, em sua identidade poética, é uma poeta/ escritora, nascida na cidade de Huambo, e que reside atualmente na África do Sul. Nossa revista chegou ao seu conhecimento e ela se aventurou, enviou sua mensagem e nós a recebemos comovidos. Que essa seja apenas a primeira ponte com o continente africano e sua diversidade.
Bem-vinda à Kuruma’tá, Nakamela!

(I)ACEITA.AÇÃO
Entre idas e vindas
subidas e descidas
enquanto a vida acontecia
encontrei à mim e me vi
Voltei a apaixonar-me
por respirar
e dessa pele que me acolhe
aprendi a cuidar
Com tudo o que envolve ser eu
das falhas aos ganhos
entre altos e baixos
eu me escolhi.
(II) Doação ( almas que dão )
Não é errada a forma como me doô
O problema surge quando
tento reconstruir pontes
que por mim não tenham sido queimadas
O problema está em fechar os olhos
quando o mundo iluminado
expõe as mil cores carregadas
por cada uma dessas almas
Quando abro os braços
e convido outro coração
a sincronizar com o meu
que segue fraco machucado desde a última lesão
O problema é ter medo da solidão
ao ponto de alavancar trocas
com almas que tiram
mais do que dão.
(III) Frequências
Quanta graça
se aqueles
que preenchem
o coração
preenchessem
Os lugares à mesa
Quanta graça
se as frequências
Continuassem ligadas
E a morte
Não Interrompesse
Nossas conversas
Quanta graça.
(IV) O que eu desejo
É ser querida pelas pessoas que eu quero
Quero ser acolhida
Quero ser bem-vinda
Ter a sensação de estar dentro
Mesmo estando de saída
Quero ser procurada
Requerida
Quero que o esforço de criar amor
Seja mútuo e co-criado
Quero que seja nosso, nosso
E que sejamos uns dos outros
Quero sentir no outro
O calor que emana de mim
Criar um mar quente
Com lágrimas derramadas
De olhos que choram de felicidade
Quero ser mimada, abraçada, beijada. Quero ser amada, de verdade.
(V) Ser kota cansa
Não é sobre querer, é sobre ser
Sobre a consciência transparente
Do nosso papel nesse roteiro.
É pesado, exige coragem
Coragem, sê leve contigo
Aprende a falar de amor em voz alta Ser kota cansa
Es muito jovem para ir depressa
E velho demais para perder tempo
O tempo passa, o people baza
Nos tornamos kotas e os kotas também
Confrontados com dores invisíveis
E decisões difíceis
Dor no coração é quase normal
Tal como as marcas deixadas
pelas lágrimas em nossos rostosSer kota cansa
Somos acordados pela ansiedade
Quando a depressão nos põe na cama
Mil caminhos, mil realidades, mil sonhos
Não temos para onde fugir
O último a sair apaga a luz
Com o coração pesado
medo do passado
É um futuro incerto
Problemas têm o peso da idade
E o tamanho da cidade
A verdade é agoniante
Não era esse o nosso sonho
Não foi esse o nosso desejo
Lutamos as nossas batalhas
Lutamos batalhas alheias
Arenas externas e conflitos internos
“ Possas, tipo que vou pro inferno “Ser kota cansa
É sobre o brada que faz o que pode
mas nesse caminho ele só f*de
Mas como é que olha para os olhos da mãe
Que chegou à casa a sangrar depois de um dia
De luta com aqueles que lhe tiram o pão
Para poderem ter pão
Ser kota cansa
É sobre o medo de ter filhos
Medo de não ter filhos
Medo de errar a trilha
Medo
Ser kota é fingir ter uma força
Que não se tem
Ser kota é enganar o coração
E a mente
enganar o mundo e as vezes
enganar a nossa gente
É fingir que está tudo bem
Porque é nisso que precisamos de acreditar
Até que fique tudo bem
Aqui dentro pelo menos
Porque chove lá fora
E o sol se apagou
Deixa a lágrima cair
Respira e avança
Eu sei… ser kota cansa.
GLOSSÁRIO
Kota – adulto
Brada – irmão
A poeta e escritora angolana Maria Chimbili, conhecida como Nakamela, nasceu no Huambo em 1994. Formada em ciências sociais, a escritora analisa a “cura” como mudança social, pois acredita que o autoconhecimento seja uma das formas de alcançá-la, impulsionando o desenvolvimento pessoal e profissional de cada cidadão.
“Gosto de acreditar que a minha escrita funciona como uma maquina do tempo que leva as pessoas para o passado e para o futuro, aquecendo sentimentos que se encontravam frios e acendendo luzes em quartos esquecidos. Desejo escrever livros que sirvam como arma contra sentimentos que matam.”

Amo ler-te . Os teus textos são analgésicos , são fonte de inspiração para o meu coração.
Força e muita força.
AMAZING !!!
SER KOTA DEFINITELY CANSA.
A mãe grande da poesia contemporânea. Ser kota não é para amadores.