Independência Poética: Carla Guerson

Independência Poética é uma série de entrevistas realizadas por LORENA LACERDA

Poeta de hoje: Carla Guerson

Carla Guerson é capixaba, escritora, feminista, mãe, incomodada. Escreve em verso e prosa. É autora dos livros O som do tapa (contos, Ed. Patuá, 2021) e Fogo de Palha (poesia, Ed. Pedregulho, 2022).

O que te inspirou a começar a escrever?

A vida. Parafraseando Ferreira Gullar, quando eu percebi que “a vida não basta”. A expressão artística que eu sei “falar” é a escrita, portanto ela surgiu, para mim, da necessidade de me expressar artisticamente.

O que você faz quando percebe que está com bloqueio para novas poesias?

Eu não escrevo. É uma resposta horrível, me desculpe, mas é a verdade. Eu não me forço a escrever. O que me ajuda bastante é sempre ter à mão formas de registrar ideias e pensamentos: caderninhos, blocos, aplicativos no celular. Assim, quando a ideia vem (e ela vem, geralmente, em momentos inusitados) eu anoto. Uma palavra, uma frase. E aí, quando preciso, recorro a estas anotações antigas para tentar lembra o que me ocorreu. Quase nunca lembro, mas às vezes as anotações ajudam a ter outras ideias.

Seu maior sonho como escritor(a)?

Meu maior sonho é ser lida. É um sonho já realizado, mas que estou sempre tentando ampliar o alcance. Quero repetir esse sonho muitas e muitas vezes, quero vive-lo à exaustão.

Assunto preferido de escrever?

Gosto de escrever a partir dos meus incômodos.

Um elogio para sua própria escrita?

Acredito que eu seja corajosa. E que minha escrita é fluida, envolvente.

Já publicou algum livro? Quais? Caso não, tem planos?

Tenho dois livros publicados: um de contos (O som do tapa, editora Patuá) e um de poesia (Fogo de Palha, editora Pedregulho). E tenho planos de publicar, em breve, um romance.

Quais inspirações do cotidiano despertam sua escrita?

O que mais me desperta é a narrativa. Tenho vontade de escrever quando leio alguma história boa, quando ouço um caso engraçado ou triste, quando alguém me conta uma fofoca cabeluda, me confidencia um segredo de família, quando vejo um bom filme, uma boa série. Minhas histórias nascem de outras histórias.

Qual dos seus poemas mais te define?

Bom, eu tenho um poema que se chama Mini Bio. Eu o escrevi justamente tentando dizer algo sobre mim.

Definição (ou mini Bio)

Antes de escritora,
Leitora
Livros e palavras

Antes de mãe,
Filha
Peitos e medos

Antes de mulher,
Pulso
Sangue e navalha

Antes de tudo,
Escrevo
E depois também.


Qual a parte mais fácil e mais difícil da escrita para você?

A mais fácil e a mais difícil: assumir o desejo. Bancar o desejo de ser escritora, continuar bancando. A constância.

É fácil porque eu não consigo imaginar o retroceder, então é só ir. E é difícil porque eu não consigo imaginar o retroceder, então, só me resta ir.

Qual sua obra favorita de outro autor(a)?

Essa é uma pergunta muito difícil, pois eu sou geminiana e leitora há muitos anos, difícil escolher um só.

Mas vou citar uma autora que acho ser minha preferida: Elena Ferrante.

 


Um livro de Carla Guerson

Nome da obra?

Fogo de Palha.

Quando e em qual editora foi publicada?

Foi publicada no final de 2022, pela editora Pedregulho.

Existe um tema central nos seus poemas/poesias? Qual?

Sim. É um livro escrito a partir da experiência de ser mulher na nossa sociedade.

As poesias são divididas em fases nessa obra? Se sim, o que te motivou a fazer isso?

Sim. São três eixos, com três subtítulos: “Por se sentir inadequada” (parte 1); “Na hora de fazer não doeu” (parte 2) e “Cansei de performar” (parte 3).

Essa divisão surgiu de forma muito natural para mim, pois, a princípio, eram três livros independentes, que eu escrevia ao mesmo tempo. Com o tempo, fui percebendo muitas intersecções entre os assuntos, pois os três temas eram parte do tema central que é a minha experiência de ser mulher, de habitar o meu corpo. Por isso, resolvi reuni-los, mantendo os títulos como subtítulos.

O que te incentivou a escrever esse livro?

Fogo de Palha era um livro que eu tinha já escrito grande parte, mas me faltava a coragem de terminar. Resolvi publicar o de contos antes, por achar que ele estava mais completo, mais pronto. Mais tarde resolvi inscrever o livro de poesia no edital de cultura do meu estado e ele foi aprovado, o que certamente me deu a força e o impulso necessário para terminar de escrever e publicá-lo.


É possível destacar uma poesia que mais se assemelha a seu cotidiano?

Acho que “causa e consequência” é a que mais fala do cotidiano. É um poema-brincadeira, uma provocação.

Causa e consequência

se tô com sono
então eu durmo
se tô com fome
então eu como
se tô com tédio
então eu não faço nada
que tédio é coisa pra se cultivar

às vezes com tédio eu como
ou durmo
mas aí tá fora do texto
só não pode ficar fora do
contexto

se eu tô com medo
então eu choro
se eu tô com raiva
então eu grito
se eu tô vendo você me perturbar
às vezes não faço nada
que é pra lembrar que eu estou

viva

às vezes eu também choro e grito
sem ter razão
é só uma forma de distração

se eu tô viva
então escrevo
às vezes se eu tô morta, também
esse não tem nenhum
porém


A sequência dos poemas conta alguma história?

Fogo de palha é um livro testamento. É como se eu deixasse ali registrado o que eu sou, fui, serei, o que eu deixo, o que quero deixar. Acredito que a experiência de leitura se aproxime mais de uma espiral do que de uma linha reta e por isso não exatamente conte uma história, mas sim trace um perfil.

Existe algum posicionamento político ou cultural na obra?

Sou uma mulher feminista, de esquerda. Certamente isso está explicitado na obra, pois entendo que seja dissociável do que sou e do que produzo.

Qual a relevância dos personagens implícitos/explícitos da obra?

O eu lírico certamente é uma mulher ou algumas mulheres que contam sobre coisas que nem sempre são ditas.

Qual a poesia mais marcante desse livro?

O que as pessoas mais comentam é o “Amputada”, que fala sobre maternidade de um jeito não muito bonito, embora bastante sincero.

Segue um trecho:

Amputada

ela entra aqui e me interrompe
ela chegou na minha vida
sem ser autorizada
ela saiu de mim
e me deixou
amputada

ela não era pra ser

ela me incomoda
me mostra o que eu não sou
ela me faz me sentir culpada
ela não faz nada
eu sinto tudo

eu sinto muito

ela me pede atenção
e eu quero paz
ela me pede um abraço
e eu quero tapa
ela me pede comida
e eu quero beber
ela só me pede
o que eu não tenho pra dar

eu não quero perder mais de mim
eu quero ser inteira de novo

eu não quero viver sem ela
eu quero que ela viva
sem mim