Texto de Toinho Castro
De que margem você é? De que beira? Dizem que… ao redor do buraco tudo é beira. E o buraco é grande, é fundo. E se você olha pro buraco, ele olha de volta pra você. É da beira que se vê o mundo.

Como tudo na cultura, ou na vida, é puxando o fio das coisas que as coisas aparecem. E foi puxando o fio de Patrícia Bastos, uma maravilha de intérprete do Amapá, que me encantou com seu disco Zalusa e segue me encantando. Seu trabalho mais recente, A voz da Taba, é de uma beleza danada!
Mas foi puxando o fio de Patrícia Bastos, no Instagram (Isso precisa servir pra alguma coisa que valha a pena!), que cheguei a Gabriê! O som dessa jovem compositora e intérprete, nascida em Porto Velho, Rondônia, atravessou o Brasil e mexeu comigo aqui no Rio de Janeiro.
Que voz é essa dessa moça! E com que força ela canta o Norte do nosso país nessa coisa linda que é Da Beira. Canção de um Brasil periférico, que vive e cresce à margem.
Recordo de quando estive em Porto Velho, anos atrás, e o por do sol era filtrado pela fumaça das queimadas. E à despeito da beleza daquele sol avermelhado, eu assistia àquilo assustado. Temeroso de saber da cortina de fumaça que a tudo cobria. Era como uma fronteira do mundo, distante da zona sul do Rio. Eu estava ali, onde se sente mais forte o impacto da devastação. O sol de um mundo acabando.
Mas é desse mundo, de dentro da cortina de fumaça, que vem a força do som de Gabriê e outras tantas vozes do Norte, a nos alertar, a nos encantar, como se fosse o som das matas, dos igarapés e das chuvas a dizer: Ainda estamos aqui.
Da Beira é um testemunho, não um testamento. É vida pura e vibra onde quer que ressoe.
Fico feliz demais de descobrir músicas assim. Veja só, mesmo com indicação ao prêmio Multishow e participação no The Voice, Gabriê havia me escapado. Mas isso agora mudou. Tô aqui na beira que me cabe nesse mundo, olhando pro Norte, de olhos e ouvidos atentos… porque há algo poderoso contra a fumaça, contra a devastação. Uma afirmação do peixe com farinha, do tacacá, dos povos do dentro das florestas e da beira dos rios.
Tenho esse carinho pelo Norte desde criança, que vem do meu pai, que tanto viajou pra lá, que tanto andou por aquelas cidades. Voltava trazendo, ele nem imaginava isso, ícones, símbolos intensos do lugar. Artesanias e histórias, mitologias que se enredaram na minha visão encantada do mundo. Depois de adulto pude cumprir a mesma senda, trajetos e cidades e encontrar o Norte com sua verdade e sua riqueza.
Escutar da Beira é estar lá, é ser da margem de lá. Por que o Eu sou que Gabriê canta, é carregados de Nós somos. Da beira. Do Norte. Do Brasil.
É que meu santo é forte
Eu nasci no norte
Eu venho da beira
Da beira do mapa
Da beira do sonho
Lá do rio madeira

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