Zé Ramalho é imortal dentro e fora do cordel Revista Kuruma'tá, 24 de abril de 202024 de abril de 2020 Aos 3 de outubro de 2019, Zé Ramalho completou 70 anos. Entre os atos de celebração, a reunião de todos os folhetos de cordel sobre o vate sertanejo ganhou vida no livro Zé Ramalho na Literatura de Cordel (De como o menino do Avohai tomou aura de visionário). Os autores Kydelmir Dantas e Aurílio Santos catalogaram e inventariaram as melhores obras. O texto a seguir é a apresentação escrita por Aderaldo Luciano. Texto de Aderaldo Luciano Na pequena casa da Rua São José, nº 102, em Areia, na Paraíba do Norte, eu sintonizava a Rádio Caturité de Campina Grande, ZYI-676, AM. Não me lembro a hora, nem me lembro o dia. Nem o mês. Tampouco o que estava acontecendo no Brasil. Ou no mundo. Talvez o sol estivesse em Libra, a Lua em Aquário e Marte em Leão. Mas a palavra mágica AVOHAI, ponto central de uma canção com um arranjo estranho, agressivo e doce, sideral e telúrico, avoaria por dentro, me fazendo tremer o peito e alargar-me um nó, resultado de conflitos emocionais dos quais nunca mais me livrei.Em 1978, aos 28-29 anos, José Ramalho Neto, Zé Ramalho da Paraíba, Zé Ramalho, assinava a primeira página de sua imortalidade. O poeta solitário, o cantador místico e o músico performático encontrariam nele a guarida, o afago, o ferro e o fogo, a alquimia e a profundidade, a pele e o cérebro, alguma dose de coração e inundações de sangue ancestral. Ao completar 70 anos de vida e ressurreição, todos esses ingredientes permanecem efusivos, ecoando da voz de baraúna, timbre sertanejo, consistência das pedras mais profundas, vindas do centro da Terra, do marco do fim do mundo.O Homem se imortaliza na obra. Sua biografia é um misto de vida de gado, ao som dos aboios (reais e imaginários), de passos tatuados no chão das galáxias (onde as cabeças se encontram), da cor preta rasgada em veios no acetato (as agulhas de diamante lhe servirão de chicote), de abissais viagens pelas encruzilhadas da mente e horas e mais horas de peregrinação. Mas há outro caminho para a imortalidade: a letra elétrica, poética e imorredoura, aquela que tece e reage dentro do poema de cordel. Zé Ramalho é imortal na sextilha do cordel, assim como Lampião, Raul Seixas, Luiz Gonzaga, Padre Cícero.A transição do poeta autor de cordéis (veja-se o folheto seminal Apocalypse) para personagem épico da própria matéria cordelística é fruto da importância e ascendência de Zé Ramalho sobre a Vida Brasileira. Os folhetos reunidos, os incontáveis versos de sete sílabas, a assinatura poética da poesia do povo, trazem até nossos olhos a dimensão imaterial de sua alma desenhada em Brejo do Cruz, onde nasceu a 3 de outubro de 1949. É vasta a produção sobre a obra ramalhiana, assim como é a vasta a produção sobre ele e com ele. Zé Ramalho empunha a espada, engatilha a viola, segue célere para o espaço infinito, aninha-se em nossos corações, repousa na poesia. O Velho cruza a soleira, há um tom mais leve no seu embornal! Aderaldo LucianoMirante da Serra das ArarasPrimavera de 2019 Zé Ramalho – Foto de Roberta Ramalho (Divulgação) A Aderaldo LucianoCordelCulturaLeituraLivroMúsica BrasileiraNordesteParaíbaPoesiaZé Ramalho