+ poesia de outono azul a sul

Poemas de Calí Boreaz


Foto original de Calí Boreaz

A poesia vai e volta, ressurge do lago inesperada. Vem na onda que quebra ali na areia, logo à nossa frente. Publicada aqui, pela primeira vez, no último agosto, retorna à Revista Kuruma’tá a poesia viva de Calí Boreaz. Dizer que Calí tem voz própria, sensibilidade… é nada dizer. Não quero cair das armadilhas dos adjetivos e elogios sem rumo. Deixo então aqui a sua poesia, que diz mais e melhor. São poemas do livro outono de azul a sul, um livro de beleza rara, ao qual eu também retorno sempre.

…um roteiro poético de 8 anos de exílio — desejado — no Brasil, tendo como protagonistas o ser deslocado, e por isso mais atento, e mais disponível para o espanto, o artista traindo o burocrata, o amante que não consegue habitar o amor. é, essencialmente, sobre clandestinidade, sobre estar num lugar de erro — geográfico ou taquicárdico.


fortaleza

ver-te é o poema — a ver se te vê
por tempo que chegue para te ver
por trás dos olhos quando ver-te
for invisível
ver-te ouvir-te tocar-te imensa-me
há vento em amar-te e isso dispersa-me
sangue para um lado átomos para outro
sou o desencontro do meu corpo
clamando que o reúnas em maior beleza
obra de arte amar-te
na infinita-metragem dos turning points
que afortalezam o saber-me tua
ainda que
no buraquinho discreto que faço na noite
mas é nesse buraquinho que se acoita o ato-lua
de me debruçar sobre o mundo
e sobre o tempo — e me rir deles
porque te conheci


fóton

isso era no tempo em que
a luz de maio entrava
pontualmente
às quatro da tarde naquela
avenida da Urca com aquela
soberba dourada bêbeda de américa
e se refratava nos recortes
insuspeitos dos troncos dos coqueiros
do alcatrão malemolente
para finalmente se alojar
em algum indício corpóreo
de uma microexplosão
e durava quatro minutos
precisamente — a luz dos maios rotos
e logo mais à frente
o verde dos morros
a respirar nuvens

isso era no tempo
em que maio explodia e éramos jovens
de nós — e logo esplendia
pelos ralos tudo que escrevíamos
com luz


pelos vidros

seguro o pequeno espelho e o lápis de olho.
como os girassóis em sua amarelitude
nos fazem cócegas líricas sem
suspeitarmos que
tanto viço pode ser
não um desbunde de lourice — mas
o grito de desespero
pelo alimento-sol que rude lhes escapa
num horizonte prateado
como as cerejeiras em flor
da minha terra
podem estar nos entregando
não poemas de primavera — mas
os pomos extremos de uma agonia
de uma maldição de imobilidade
como a ilusão do canto dos pássaros
que em verdade podem estar
murmurando de fome de vertigem de vento
enquanto em enlevo
os escutamos
assim eu traço beleza
em meus olhos que não
te podem ver mais


efeito kahlo kuleshov

estou imóvel
suspeito que me tornei um quadro
com debrum de areia pequenas conchas
e pontas de cigarro
à minha beira está o mar em março
ele desatentamente cospe nos meus pés. e através
de mim desamarro o vendaval morse
/ não escutes. ainda estou imóvel
sobre mim-onde há uma constelação
de abutres como uma indecisão boiando
aos fundos de mim-quando há a ficção
citadina inacessível
entre o tempo da água e o destempero do asfalto
a destempo tento — ainda — criar poesia
/ ay llorona / olhos negros /
e crio silêncios. basaltos. silêncios
a fazerem sala às tuas perguntas
no horário nobre do despresente
faço um esforço — me recorto
dou um passo na via láctea
meus pés imprimindo a marca de água
e enquanto me arranco à imobilidade
/ as tuas perguntas /
a cidade se petrifica
basaltos. silêncios. solidões acústicas
presas na véspera — ou num dia advindo
a gastarem-se companhia
no horário nobre da vida

que é a fina presença da morte
agarro com força a escuridão
e dou mais um passo
o garoto de short azul na areia sentado
ficou ali com o olhar perdido no desenho de um nome
a cadeirante com o paninho de chão ao ar erguido
ficou ali com a mão esperando os 4 reais
o velho de 88 anos cansado demais
ficou ali com a expressão do primeiro estremecimento
do infarto
passo por todos passando neutra por mim mesma
vou direto à tua porta
enquanto junto pedaços

                 em morse
                                                                            amar-se
                                       em março
              um amor se
                                             maio
                                                                    ainda for
                              tempo

estou batendo. batendo: atendo?


hora de vagar

substrato da poesia
uns restos de tarde
ainda boiando
sobre o precipício ansioso
das horas
a desoras
um exílio costeiro
na costura de um sonho
sob o ato da poesia

(…)

dez horas
um vago lume se acende e eu vagamente
subo e trato da poesia


a(l)titude

o vento que se
ouve dentro:
invento


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