O poço profundo da Península de Kola

Texto de Toinho Castro

Você sabe onde fica a Península de Kola? Não sabe? Pois bem, fica no muito norte do território da Rússia, já depois de ultrapassar o Círculo Polar Ártico. Lá, na tal Península de Kola, estão os restos, o que sobrou, de uma experiência científica comparável, talvez, à conquista do espaço. Trata-se do poço super profundo de Kola. Sua perfuração, iniciada em  24 de maio de 1970, pelos soviéticos, alcançou em 1982, a profundidade assombrosa de cerca de 13km, varando a crosta terrestre rumo ao manto. É o poço, dizem, mais profundo já cavado pelo ser humano.

Ainda assim, com toda essa profundidade, digna de filosofias, o projeto não logrou o intento e alcançar o manto, a camada logo abaixo do 40 km da crosta (naquela região), e que se estende até os limites externos do Núcleo. Os anos de esforços não foram suficientes para transpor a barreira das rochas, das altas temperaturas, maiores que o esperado, e dos custos da operação… e também dos mistérios revelados pela jornada terra adentro. Com o fim da União Soviética, em 1991, o projeto foi para o espaço, ou melhor, para o buraco. As instalações foram fechadas e abandonadas, o poço vedado e hoje tudo é ruína.

Há quem o visite lá naquele ermo. Os moradores da região acreditam que quase se alcançou o Inferno. Há quem escute os gritos das almas sofredoras…

Os americanos tiveram a mesma iniciativa e tentaram cavar seu poço no leito do oceano Pacífico, nos anos 1960, com o projeto Mohole. Nas profudenzas dos oceanos há regiões em que a distância a ser percorrida através da Crosta, até o Manto, é bem menor. Mas naqueles tempos as tecnologias de perfuração submarina ainda não haviam surgido e precisaram ser desenvolvidas. O fantasma do alto custo também assombrou as águas do Pacífico. O projeto Mohole acabou por ser cancelado.

Há na Alemanha um outro poço, outra tentativa de desafiar as forças enormes que fundem o chão sobre o qual pisamos, o German Continental Deep Drilling Programme. Lá a artista holandesa Lotte Geeven “mergulhou” um microfone, com proteção térmica, e gravou o ranger de dentes da terra profunda. Seu corpo a contrair-se e dilatar-se. Sua respiração.

Da experiência de Kola hoje restam ruínas, expostas às intempéries e à curiosidade de ousados turistas radicais que alcançam aquela região. Restam seus fantasmas perambulando pelo frio cortante, sem deixar pegadas sobre a neve. Lacrado, o poço guarda, ou esconde, o que não sabemos, o que não conhecemos. O que tememos?

Parece que saíram às pressas. Fugindo de quem? Do quê? Sabemos apenas que jamais retornaram. Sabemos que o que ficou para trás jaz em silêncio e ninguém, em lugar algum, fala sobre o que ali de fato aconteceu. Será que a terra gira, ou se arrasta, em torno do poço profundo de Kola?


Escute a música que fiz inspirado por essas histórias…