Independência Poética: Flora Miguel

Independência Poética é uma série de entrevistas realizadas por LORENA LACERDA

Poeta de hoje: Flora Miguel

Flora Miguel é jornalista, trabalhadora da cultura e poeta. Tem textos esparramados por veículos literários no Brasil, Portugal e México. Estudou dramaturgia na SP Escola de Teatro. Formada no CLIPE (Curso Livre de Preparação de Escritores da Casa das Rosas – São Paulo). Vencedora do VII Festival Manoel de Barros de Poesia e Literatura – Modalidade Concurso Nacional de Poesia Inédita. Assina a canção “Pela Cidade” em parceria com o duo A Transe. Idealizadora, curadora e produtora do evento lítero-musical BRECHA, ao lado da poeta Jeanne Callegari. Autora do livro “tempo sem cruz” (Editora Primata) e da plaquete “IRA” (Editora Primata), escrita com as poetas Camila Martins e Priscila Kerche, lançada na Flip – Festa Literária Internacional de Paraty.

O que te inspirou a começar a escrever?

Quando era criança tinha um personagem de alguma marca, um ratinho meio humanóide, que eu gostava bastante. Fiz um desenho dele e mandei pro endereço postal da marca, e me responderam mandando uma agenda toda acolchoada e colorida e estampando ostensivamente o ratinho que eu gostava. Foi irresistível.

O que você faz quando percebe que está com bloqueio para novas poesias?

Quando dá, viajo. Estar em movimento e em contextos diferentes sempre inspira.

Seu maior sonho como escritor(a)?

Ter mais tempo pra me dedicar a escrever.

Assunto preferido de escrever?

Tive aula com o Dirceu Villa e foi muito importante no meu processo de desenvolvimento poético, e uma vez ele disse que eu conseguia enxergar a sombra no sol do meio dia. Acho que minha escrita tem um pouco desse olhar pros desvios e pro incômodo, é claro que sou tocada pela beleza das coisas mas acho que a treta me marca mais.

Um elogio para sua própria escrita?

Não se levar tão a sério. No fim tem que ser divertido, porque se tá lidando com algo que não tem exatamente razão, serventia nem garantia.

Já publicou algum livro? Quais? Caso não, tem planos?

Tempo sem cruz, lançado pela Editora Primata – e que ganhou versão de bolso bilíngue (português-espanhol) com tradução do Lucas Gaspar, e a plaquete IRA (outro lançamento Primata), escrita com a Priscila Kerche e a Camila Martins.

Quais inspirações do cotidiano despertam sua escrita?

Sonhos, filmes, o noticiário, caminhar pelas ruas das cidades, flanar por aí… Mas principalmente, ler poesia.

Qual dos seus poemas mais te define?

Não sei, vou arriscar bandeiras.

Qual a parte mais fácil e mais difícil da escrita para você?

A mais difícil acho que é lidar com a insegurança, com certa sensação de “eu sou mesmo capaz de fazer isso?”, e a mais fácil é transpor as ideias pra escrita, quando elas chegam. Sempre muito prazeroso.

Qual sua obra favorita de outro autor(a)?

Injusto falar de uma obra só, mas fico com Um útero é do tamanho de um punho, da Angélica Freitas, que é um livraço em muitos sentidos, temática, figura de linguagem, sonoridade, ritmo, método criativo.


Um livro de Flora Miguel

Nome da obra?

IRA.

Quando e em qual editora foi publicada?

Editora Primata, 2023.

Existe um tema central nos seus poemas/poesias? Qual?

Pra escrever esse trabalho a Priscila Kerche, a Camila Martins e eu nos debruçamos sobre o sentimento de ira e como ele pode ser um motor pra ruptura de padrões.

As poesias são divididas em fases nessa obra? Se sim, o que te motivou a fazer isso?

A plaquete é dividida em 3 partes a partir de temas centrais, tendo 3 poemas, um de cada uma das autoras, em cada parte.

O que te incentivou a escrever esse livro?

Quando estudei na Casa das Rosas, onde fiz o Clipe, que é um curso livre de preparação de escritores, conheci a Camis, que estudou comigo, e a Pri, da turma anterior. A gente logo se conectou, como mulheres e como escritoras, e quando a Editora Primata, que já tinha lançado um livro meu, abriu uma chamada para envio de plaquetes originais, convidei as duas pra nos juntarmos na minha casa e pensarmos num trabalho conjunto.

É possível destacar uma poesia que mais se assemelha a seu cotidiano?

Tem um poema, que fecha IRA, chamado inscrição, que esconde uns segredos cotidianos.

A sequência dos poemas conta alguma história?

Acho que primeiro falamos da violação do corpo da mulher, depois de sua privação, e por fim do seu caráter rebelde, insurgente.

Existe algum posicionamento político ou cultural na obra?

Tão político e cultural quanto tudo aquilo que não é natural/da natureza mas é fruto da ação humana e pretende fomentar algum tipo de deslocamento do olhar e do pensamento.

Qual a relevância dos personagens implícitos/explícitos da obra?

São personagens da vida real e essa é a maior relevância deles. A suicida que sobre violência hospitalar, uma criança tentando realizar um aborto, a menina com fome no centro da cidade, todas baseadas em histórias verdadeiras.

Qual a poesia mais marcante desse livro?

Grazielle, da Priscila Kerche, que é assim:

dois dedos de homem
abriam caminho 
entre seus lábios
quando voltou do próprio suicídio

esteve em coma
chamaram o procedimento
higiene íntima

morreu de novo
enquanto se debatia
quatro enfermeiros a tinham
o segurança do hospital agarrou seu peito
disseram que era preciso
conter o grito
conter a mente da louca
dentro da boca
impedir

a palavra liberdade.