“O Brasil é uma assombração” — Clipe de Marília Parente

Texto de Toinho Castro


Estou Desocupado com Outras Coisas Desimportantes
diga a ela que não vou, não vou, não vou
Pois quero olhar os meus amigos,
como se não corresse perigo
e estar contente por estar ausente, por estar presente

Eu vou, eu vou
Quero faltar meu compromisso
diga a ela que eu vou, eu vou, eu vou
Pois quero olhar o seu sorriso,
como se não corresse perigo,
e ser displicente pois nada é urgente
eu quero estar perdido

É tanta coisa na cabeça da pessoa
Eu só quero ficar de boa

Hare om
tat sat
chit ananda

Marília Parente foi um grande alento de 2019, com seu primeiro e belo disco Meu Céu, Meu Ar, Meu Chão e seus Cacos de Vidro. Quando tomei conhecimento do disco e o escutei pela primeira vez, fiquei maluco com aquilo! Foi play atrás de play no Spotify, e não teve ninguém pra quem eu não enviasse o link da bolacha. Aderaldo Luciano, companheiro de aventuras na Kuruma’tá, escreveu um texto sensacional pra revista, e o parceiro Jorge Lz destacou o disco no seu programa Na ponta da agulha e fez um bate-papo sensacional com Marília!

Aí veio a pandemia. 

E nela ainda nos encontramos.

E a música de Marília Parente continua sendo uma poderosa e necessária vacina contra esse inferno em que estamos metidos. Sempre combativa, como artista e como jornalista, Marília não ficou parada entre 2020 e 2021, com projetos paralelos como o Avoada, a música Para la tierra volver, canção inédita sobre conta a história dos camponeses jurados de morte em conflito fundiário no Engenho Fervedouro, no município de Jaqueira, na Zona da Mata de Pernambuco (Aqui se encontram a jornalista e a artista de forma comovente).

Mas chega de história, porque o assunto aqui é o primeiro clipe de Marília!

Com o clipe novíssimo para a música Estou Desocupado com Outras Coisas Desimportantes, Marília se insere na tradição audiovisual pernambucana no melhor estilo faça você mesma! Câmera na mão e ideias espalhadas pela cidade, essa cidade assombratícia que é o Recife. E é com os auspícios assombrados da poesia de Augusto dos Anjos e sob a sombra do fazer cinematográfico de Zé do Caixão, que Marília cria uma narrativa de humor e terror maravilhosa.

Augusto dos Anjos – As cismas do destino

Com roteiro de Marília, imagens realizadas por ela e Juliana Verçoza e montagem de Jeã Santos, o trabalho é experimental, divertido, carregado de ironia e inventivo. Marília joga a caveira na rede, nas ruas e praças, no vagar dolente do Capibaribe, apontando os desmandos dessa vida doida e doída que se vive. Será toda a gente caveira, pra e pra cá nesse mundo, só dentes e ossos, sem saída?


O Brasil é uma assombração, mas, para sobreviver sem pirar, a gente precisa abraçar o caos e a morte. É verdade que queremos e vamos mudar as coisas, mas antes disso é preciso rir um pouco da gente mesmo. — Marília Parente


Estou Desocupado com Outras Coisas Desimportantes, que tá lá no disco que, se você não escutou, precisa escutar agora, é uma música deliciosa, num clima folk anos 60 e temperos indianos que só acentuam o contraste com o Recife da pracinha com escorregador de cimento, que a caveira-star do clipe usufrui enquanto as crianças brincam de bola, brincam de balanço. Porque isso é o Brasil. Quem se importa com a caveira? Na verdade, melhor companhia pra conhecer o Recife. O Recife onde Augusto dos Anjos, na ponte Buarque de Macedo, assombrou-se com a própria sombra. Sombra que deve ainda habitar a calçada da ponte, visível, talvez, na lua cheia.

No mais, Marília Parente é já essa grande artista sem medo de inventar, de meter as próprias mãos no fazer de sua arte, ainda isso signifique carregar uma caveira pela cidade.

É tanta coisa na cabeça da pessoa
Eu só quero ficar de boa


Escute Meu Céu, Meu Ar, Meu Chão & Seus Cacos de Vidro
(Álbum Completo) – 2019

Ficha técnica:

01. Meu Céu, Meu Ar, Meu Chão & Seus Cacos de Vidro (Marília Parente)
Voz: Marília Parente
Efeitos: Ugo Barra Limpa
Synths: D’Mingus

2. Dia de João (Marília Parente)
Voz e violão de aço: Marília Parente
Guitarras: Juvenil Silva e Regis Damasceno
Baixos: D’Mingus, Juvenil Silva e Regis Damasceno
Flautas transversas: D’Mingus
Zabumba, triângulo e efeitos: Alexandre Baros

3. Tristeza não Existe (Marília Parente)
Voz e violão de aço: Marília Parente
Guitarras: Juvenil Silva e Regis Damasceno
Baixo: Regis Damasceno
Flauta tranversa e Mellotron: D’Mingus
Bateria: Rafael Daltro

4. Vasudeva (Marília Parente/Marcelo Cavalcante)
Vozes: Marília Parente e Marcelo Cavalcante
Violão e guitarra: Marcelo Cavalcante
Baixo: Juvenil Silva
Bateria: Gil R
Flauta e teclado: D’Mingus
Voz: Marília Parente
Violão e Guitarra: Marcelo Cavalcante
Sanfona: Jonnez Bezerra

10:53 – 5. A Vida no Cariri Demora (Marília Parente)
Voz: Marília Parente
Violão e Guitarra: Marcelo Cavalcante
Sanfona: Jonnez Bezerra

6. Alvorada (Marília Parente)
Vozes: Marília Parente
Guitarras, baixo, violão, teclado: Rodrigo Padrão
Violas: Feiticeiro Julião
Bateria: Gil R
Percussões: Leo Vila Nova
Palmas: Juvenil Silva, D’Mingus e Marília Parente

7. Estou Desocupado Com Outras Coisas Desimportantes (Marília Parente)
Voz: Marília Parente
Coro mântrico: Marília Parente e Ugo Barra Limpa
violões de aço: Juvenil Silva
Viola e sitar: Feiticeiro Julião
Shruti: Ugo Barra Limpa
Baixo: Diego Gonzaga
Bumbo: Gil R
Sino: Ugo Barra Limpa

8. Viagenzinha de Verão (Marília Parente/ Juvenil Silva)
Vozes: Marília Parente e Juvenil Silva
Guitarras: Juvenil Silva
Baixo: Diego Gonzaga
Violão de aço: Juvenil Silva
Bateria: Gil R
Synth: D’Mingus

9. Eu Quero Ver o Cão Mas Não Quero Ver Você (Marília Parente)
Voz: Marília Parente
Violão de aço e órgão: Feiticeiro Julião
Guitarras: Juvenil Silva
Baixo: Diego Gonzaga
Pífano: D’Mingus
Bateria: Gil R

10. Amor, Disco Voador (Marília Parente)
Voz e violão de aço: Marília Parente
Shruti e violão de aço: Ugo Barra Limpa
Sitar e Viola: Feiticeiro Julião
Coro: Mayra Clara, Sofia Freire, Nivea Maria e Ugo Barra Limpa
Guitarras: Juvenil Silva e D’Mingus
Baixos: Juvenil Silva e Diego Gonzaga
Bateria: Gil R