Literal: Kika e seu disco-biblioteca!

Texto de Toinho Castro


Kika – As Fotos são de Mônica Ramalho!

Lembro que na nossa família a gente tinha esse amigo, um violonista muito talentoso, muito sensível. Um artista nato, como se diz. Eu era criança mas lembro muito bem dele, de sua habilidade ao violão, que me impressionava a todos. Na época do vestibular ficamos todos surpresos, porque ele resolvera prestar exames para entrar em engenharia. E todo lhe falava, que ele era tão artista sensível, se não deveria fazer música ou algo de área mais artística. Certo dia, lá em casa, ele respondeu: A engenharia também precisa de pessoas sensíveis. Nunca mais dissemos nada. Ontem recebi uma dica da minha amiga Monica, um novíssimo EP de uma moça que eu não conhecia, a Kika, e lendo sobre ela descobri que ela é engenheira. Lembrei do nosso amigo na mesma hora, do seu violão nas noites de música lá em casa. Bons tempos.

Não falta sensibilidade à Kika, nem à Monica, que falou pra eu escutá-la! E Literal, seu disco, é sensacional. E mais! É um trabalho que nasceu do amor pela literatura. É um disco que começou com um clube de leitura! Entre papos, páginas e encontros, seus livros favoritos acabaram viram músicas! São cinco faixas, e cada uma é inspirada num grande livro. Olha só: Mrs. Dalloway, da Virginia Woolf, parceira da Kika com suas amizades Joanna Lima e Rodrigo Ricardo, O duplo, de Dostoiévski, autoria solo da Kika, Morte em Veneza, de Thomas Mann, e Hamlet, de Shakespeare, ambas em parceria com o amigo Gabriel Versianie, e O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, também só dela. Que ideia gostosa esse disco-biblioteca! E sim, você não precisa ter lido os livros para curtir a música. Mas duvido que você escute literal e não fique com vontade de ir na livraria mais próxima, abrir esse universo em que Kika transita com tanto leveza, humor e inteligência.

O disco, se prepare, é uma pequena festa. Digo pequena porque são somente cinco músicas. Digo somente porque a gente fica querendo mais, pra dançar mais. Mias dicas de livros! Mas não se preocupe, que parece que vem mais músicas por aí, inspiradas em Kafka, Ionesco, Nelson Rodrigues… e quem mais?! É desses discos que não sai da vitrola, então a festa pode render bastante, tocando de novo e de novo os livros que Kika ama!

Posso dar spoiler aqui de cada canção, mas prefiro que você escute e se surpreenda como eu me surpreendi. Adoro quando isso acontece, quando nada sei sobre um disco e ele me assalta o coração e o corpo. A preferida da Kika é Hamlet, inspirada na obra do bardo inglês William Shakespeare. A minha é Morte em Veneza. Não li Morte em Veneza; de Thomas Mann eu li A montanha mágica. E já estou com O retrato de Dorian Gray (“Esse quadro na parede por te magoar”) nas mãos pra reler, que me lembra tanto uma amiga dos meus tempos de faculdade, que amava Wilde. Uma amiga com quem também ouvi muita música. Então Literal faz isso comigo, viajar na afetividade, nas páginas dos livros que amo ou que ainda preciso ler, me faz pensar nas pessoas com quem dancei, com quem ainda quero dançar.

Gente, bom demais. Bota a ficha aí na sua radiola!

Ah, sim! A capa é uma ilustração afiadíssima do designer Fábio Nogueira. E a produção é de Nayana Dornelas. Caprichada., Disco bom de gente amiga. Vale virar vinil!