Pernambuco dos canaviais

Kuruma’tá traz hoje uma preciosa colaboração do pernambucano Amândio Cardoso. Nascido na cidade do Recife, Amândio nos oferece um poema de sua lavra, de uma atualidade danada!

Poema de Amândio Cardoso


A partir de original foto de José Reynaldo da Fonseca | Sob Creative Commons

Eram as peles brancas das donas meninas magras que viam as peles negras gordas mexerem panelas pesadas de cobre, doce, goiaba.

Eram peles negras que viam as folhas das plantações de cana a cortarem a pele ao sol, a faca a cortar a pele do sol a queimar.

Eram peles brancas que viam o açúcar branco na mesa branca de linho engomado por peles negras.

Eram peles negras que viam o verde caldo no cobre virar uma cor de gosto de suor, doce.

Eram peles brancas e negras que viam na mesa branca de linho engomado, a prata, o ouro e o açúcar das peles escuras, o escurecer do dia.

Eram as peles negras que choravam e as peles brancas que se calavam, eram peles brancas que pediam, eram as peles negras que serviam.

Era a cor branca da casa iluminada ao jantar, e a cor vermelha da parede de cal, sangue de lágrimas que viam o luar.

Era a cor branca sobre a cor negra.


Amândio Cardoso é natural de Recife, nascido no Derby em dezembro de 1968, criado entre a Madalena e Casa Caiada, em Olinda. É luso descendente, filho de pai português e mãe pernambucana. Estudou em Olinda na infância, fez os seus estudos depois em Recife e formou-se em Publicidade pela Universidade Federal de Pernambuco. É publicitário, empresário e escreve.

A foto que ilustra o texto está sob licença Creative Commons e não foi produzida para a Revista Kuruma’tá. É uma recriação a partir de foto original de José Reynaldo da Fonseca. Confira a licença.