As Árvores

Texto de Toinho Castro


Foto: Harmon Rapp

…que depois da morte cada árvore é um deus que ampara as
árvores.

Verso de “Um forasteiro”, poema de Jorge Luis Borges


As árvores sabem que estamos de passagem, que não viemos para ficar. Esperam e observam nosso movimento. Elas se movimentam com o vento, com o ruído dos animais, todos de passagem. Observam e presenciam a morte de suas irmãs, que são carregadas em caminhões para serem transformadas em revistas, em móveis, em casas. Quando uma árvore tomba ela deixa uma presença que ampara as outras árvores. Estão em toda parte, muitas delas latentes, aguardando para despertar num mundo novo, melhor, sem homens ou suas sombras. Estão em contato com outros mundos, outros planetas, outros povos. As árvores são a escrita de deus, sua caligrafia. Seus frutos são sagrados, objetos imantados. Cada um deles traz oito verdades e sete caminhos mas nós os devoramos aos milhares, sem pudor. Varremos com nossa voracidade milhões de frutos sagrados de árvores sagradas e nem mesmo o sabemos, ignorantes que somos. Mas estamos de passagem.

As árvores sabem que nossa literatura não perdurará. Suas raízes estão por todo o planeta, aprofundando-se rumo ao núcleo. Elas se alimentarão desse calor e migrarão no fim de tudo, através do vácuo. Vêm de longe, muito longe, descobriram a paz e acabaram a fome entre os seus antes de nós. Morrem e transmitem a mensagem e não perecerão. Foram os primeiros e serão os últimos a serem chamados, e atenderão. Muito antes nossa história terá sido apagada e nossas ruínas serão alimento de suas mitologias. São sonhadoras e ternas e não exercem poder. Lembram de nós nas suas longas preces porque sabem que estamos de passagem, porque se sentem responsáveis. Comemos os seus frutos e elas esperam que algo nos seja perdoado. Há de fato, uma grande dor no mundo pela nossa presença. Mas estamos de passagem. As árvores o sabem.