Maracatron | Parte 2

Texto de Toinho Castro


Há muitas teorias sobre a origem do Maracatron circulando pelos corredores do complexo. O tema é meio que um tabu. Desconfia-se até que seja mesmo proibido… Mas nada aqui é claro, tudo é meio nebuloso e não sabemos exatamente o que é permitido ou proibido, ou quem proíbe ou permite o que quer que seja. Por via das dúvidas, abordamos o assunto pelos cantos, pelas beiradas, em conversas de pé de ouvido. Sempre sussurrando e esperando que gente estranha, coisa que tem muito por aqui, não escute. Uma dessas teorias reza que teria sido construído durante os governos militares. Considerando que isso não poderia ter sido feito nos anos finais do regime ou nos seus primeiros momentos, ficamos com uma janela de cerca de uma década para se conceber e construir tal complexa estrutura. É pouco tempo para colocar em pleno funcionamento um projeto desse porte. Isso nos leva a segunda parte da teoria, que inclui os americanos na história e explica que o Maracatron chegou ao Brasil de navio, vindo dos Estados Unidos, desmontado e encaixotado.  Há quem acredite que a verdadeira natureza da Operação Brother Sam seria, no fim das contas, fazer chegar ao país essa carga. Uma monumental e imperceptível operação de transporte e montagem teria sido orquestrada pelos dois governos envolvidos. Naturalmente surge logo a ideia de que os militares tomaram o controle justamente para construir o Maracatron! Vai saber…!

O terreno do Maracanã seria um local propício, cruzamento de invisíveis linhas energéticas longe do qual não se poderia conduzir as experiências planejadas. Dizem que o estádio Mário Filho foi construído justamente para servir à futura instalação do acelerador como uma espécie de antena. Numa determinada época do ano, ou a cada dez anos, dependendo da versão autorizada, ele estaria alinhado com certa constelação, enviando e recebendo sinais, mensagens cifradas e xadrezísticas que alimentariam os bancos de memória do Maracatron. Mas isso, certamente, é puro delírio.

A teoria mais aceita é a teoria do Jadeir, que ele faz questão de defender quando bebe nas nossas noitadas, e o Jadeir não bebe pouco. Sua teoria diz que o Maracatron foi descoberto nas escavações que precederam a construção do estádio. Várias pessoas na hierarquia da construção civil presenciaram sua fiação e carapaças metálicas vindo à tona. O Jadeir conta que nunca mais se soube deles depois disso. E aí entra em campo, mais uma vez, o governo americano, que substituiu, um a um, todos os trabalhadores envolvidos nas fundações do Maracanã por pessoas que ele, o Jadeir, não tem coragem de afirmar exatamente quem, ou o que, seriam.

Um clássico dessas noites é história do pedreiro que trabalhou nos primórdios da obra e que foi encontrado vagando pelas ruas, alucinado, balbuciando sobre as poderosas energias liberadas sob o Maracanã. logo imaginamos o Maracatron rugindo sob o concreto, sob o gramado… Mas há sempre quem passe pano e alegue que ele, na verdade, queria dizer “sobre o Maracanã”, referindo-se a alegria das torcidas. Enfim… o fato é que não sabemos, apenas arriscamos, ousamos perguntar aqui e ali. As histórias são muitas, entrecortadas, interrompidas e é difícil dizer onde reside a verdade, onde começa a mentira. Arquivos são apagados, pessoas que falam demais somem. Reaparecem tempos depois, em outras cidades, outros países, com nomes falsos. Semana passada mesmo sumiu um que andava falando mais que o necessário, segundo as regras da conspiração que parece pairar sobre nós. Reapareceu dias depois, outro nome, outras memórias, outra função. A maioria das pessoas que já o conhecia não vai encontrá-lo porque ele está em outra seção, outro nível. Mas eu o vi. Falou casualmente comigo como se não imaginasse quem eu era. E algo me dizia que ele estava sendo sincero. Parece confuso? Sim, parece. Mas para o Jadeir tudo parece muito claro.

Como sempre a CIA está no centro desses comentários obscuros que trocamos nas vagas horas vagas. Durantes anos seus cientistas teriam queimado num tipo de engenharia reversa qualquer, tentando determinar a origem do Maracatron e compreender seu funcionamento. Tecnologia alienígena, aborígene ou de um povo antigo e sábio que habitou essas paragens antes da deriva continental. Segundo Jadeir os índios já faziam referências ao Maracatron nos seus desenhos ritualísticos (Oi!?) e que há relatos, sempre os relatos, de antigos viajantes que afirmam ter visto “gente estranha, com roupas estranhas, apressadas, por aquelas bandas”. Por um segundo, na bruma do álcool, quase acreditamos e o Jadeir parece então um maldito xamã invocando sabe-se lá que hiper-realidades… mas o transe só dura um segundo e logo somos outra vez os idiotas que não fazem ideia do dia em que o Maracatron foi inaugurado. Que isso fique claro.

Andando por aí com uma cara de quem sabe mais do que deveria e a enigmática frase Quando foi a última vez? estampada na camiseta surrada, Jadeir defende que o Maracatron sempre existiu. Quando cruzamos nossos caminhos nos corredores estreitos do complexo ele ri para mim e diz que sou seu cúmplice, epíteto que rejeito. Percebo que ele tem acesso a áreas restritas a muitos de nós e não raro o vejo trocando palavras com essa gente fechada, calada, das salas inacessíveis, gente que parece ter nas mãos mais coisas do que seria prudente entregar-lhes. Tudo, quando se trata do Jadeir, parece, sempre, camaradagem. É como se ele fosse aquele detento que conhece os guardas, tem encontros secretos com o diretor do presídio e controla o mercado negro de cigarros.

Hoje gritou de longe para mim que amanhã é dia de final e o estádio vai tremer. Entrou depois com ferramentas e sua inseparável lanterna num dos muitos tubos metálicos que nos cercam, um desses tubos do qual, segundo ele, só se sai do outro lado. Seja lá o que isso signifique.