Iremar de Zé Pereira, poeta em seu dia

Texto de Aderaldo Luciano


Guardei para o dia do poeta essa história de um poeta passada em 2014. Em São João do Cariri, ali onde o Rio Taperoá carrega as almas em tempo de cheia e em tempo de seca se vêem suas assombrações, viveu um antigo Capitão-Mor já descrito e sonhado por Júnior Cordeiro, galego e feiticeiro. Esse capitão aparecera em sonho e entregara sua botija a uma senhora. É de conhecimento popular que só quem recebe a botija é quem poderá arrancá-la da terra onde está bem guardada. Mas não é sobre essa botija que quero contar. Nem sobre o capitão. Nem sobre a senhora que sonhou o capitão. O caso trata de Iremar de Zé Pereira.

Francisco Almeida (Xicão, artesão e mágico) falou-me de Iremar e de sua veia poética. Disse-me ainda que Iremar vivia sozinho, costumava sair pouco de casa, preferia não receber visitas e desconfiava desses doutores da cidade que aparecem guiados por alguma estrela, de templos em templos. Da Muralha do Meio do Mundo, depois de ficarmos entalados nas pedras, descemos à cidade para encontrar Iremar. Cruzamos a vasta rua principal com seu casario colonial, fomos ao casarão mourisco, atravessamos a rua com destino à ponte velha. No escurecer do dia, quando a natureza está trocando a guarda…

Fomos até Iremar. Casa fechada, nenhuma respiração, nenhuma luz. Bateu-se à porta. Chamou-se-lhe o nome. Proclamou-se o prefixo. E Iremar respondeu. O castelo se abriu e nós entramos na pedra. Queríamos ver os poemas. Mais do que os poemas observamos o seu trabalho beneditino. Na cabeça seus cabelos são versos de cordel. A vasta cabeleira é uma coleção de sextilhas. A cabeça toda uma biblioteca cordelística a ser desbravada. A pequena máquina datilográfica sobre um tamborete. Papel, tesoura e cola. É assim que ele trabalha. Datilografa as estrofes de quatro em quatro, recorta-as a vai colando no livrinho. Terminado, dobra e costura. Ali está o folheto.

Queria dizer aos senhores que Iremar nunca leu Ezra Pound. Iremar é um poeta do Brasil profundo. Iremar conhece as minúcias e minudências do cordel brasileiro. Joga razão sobre a métrica, deita fogo sagrado sobre as rimas. Trabalhou nas frentes de emergência, naquele tempo de seca braba. Talvez tenha até mascado pedras e se banqueteado com suculentas folhas de palma e bananas da macambira. Ou feito amor com algum pé de xique-xique. Não sei. Estava lá no seu poema uma série de verdades. E invenções. Talvez a alma daquele antigo Capitão-Mor tenha sussurrado coisas ao seu ouvido, lhe passado o caminho das ervas, a estrada da solidão. Fui lendo seu texto e solicitando que Xicão fosse fotografando nossa conversa, nosso encontro, nosso espanto.

E aconteceu, como contei a algum amigo secreto, que no meio do poema vi estupefato um acróstico. Não era o acróstico de Iremar. Era o acróstico de Ezra Pound. Mas não podia ser porque nunca que Iremar ouvira falar de Pound ou lera as merdas daquele poeta chato, mas interessante. Estava ali e hoje procuro explicação para isso. Procurou-se e retirou-se de uma bolsa qualquer uma teoria junguiana para o fato, mas não convenceu-me. Ainda. Atribuo o fato à presença do espírito daquele capitão-mor malassombrado que persegue os sonhos segurando um mapa do tesouro. Comprovem comigo. Iremar merece mais que uma crônica sem futuro no Facebook. Iremar de Zé Pereira, hoje é seu dia, o dia do poeta, que é todo dia.