Uma lua cheia para banhar a sua rua inteira Revista Kuruma'tá, 11 de fevereiro de 202011 de fevereiro de 2020 Texto de Eduardo Frota Planisphère Céleste Donnant Les Divisions Des Étoiles Fixes en Constellations et leurs classifications jusqua’à la 5ème Grandeur. — Fonte: Wikipédia Andar com a cabeça para baixo, cabisbaixo, nunca mais. Há muito tempo as pessoas decidiram que era melhor olhar para cima, para as estrelas, a fim de entender seus propósitos, seus meios, seus fins aqui embaixo. Era tão óbvio: deveria ter sido sempre assim com cada um de nós, do nascimento ao óbito. Era uma nova chance para a nossa espécie, um novo paradigma para qualquer espécime terrestre. Nem CPF, nem RG, nem certidão. A posição dos astros do rebento se sobrepunham a qualquer outro tipo de argumento. Rápido: calculemos hora e data! Todo ser humano tinha direito a um mapa astral de linhas coloridas rabiscadas em um círculo, numa espécie de mandala que substituiria, por exemplo, um currículo. Contratar uma funcionária taurina, eleger um político pisciano, dar à luz uma filha leonina, ler um autor escorpiano. O GPS agora funcionava em dois sistemas diferentes: as ruas e as luas. O primeiro, para onde se queria chegar em horas ou minutos. O segundo, para onde se apontava o sonho, para onde flui naturalmente o prumo da vida, da luz. Desluzir a presença dos astros, diziam as autoridades no assunto, era o cúmulo! E assim a humanidade caminharia por séculos, até que por uma fatalidade precisasse mudar de planeta. O único problema? Refazer os cálculos em uma nova morada, descendente por descendente, estrela por estrela, ascendente por ascendente. A gravidade dos astros, todas as mecânicas invisíveis, teriam que ser recalculadas. Só uma dessas grandezas – dessas que não são calculadas usando ábacos ou astrolábios – permanecia imutável. Uma atração que fugia às leis da ciência. Em sua nova casa, da janela do quarto, lá estará a minha lua cheia banhando de amor a sua rua toda, inteira. A ContoEduardo FrotaLeituraLiteraturaLuaProsa poética