Uma lua cheia para banhar a sua rua inteira

Texto de Eduardo Frota


Planisphère Céleste Donnant Les Divisions Des Étoiles Fixes en Constellations et leurs classifications jusqua’à la 5ème Grandeur. — Fonte: Wikipédia

Andar com a cabeça para baixo, cabisbaixo, nunca mais. Há muito tempo as pessoas decidiram que era melhor olhar para cima, para as estrelas, a fim de entender seus propósitos, seus meios, seus fins aqui embaixo. Era tão óbvio: deveria ter sido sempre assim com cada um de nós, do nascimento ao óbito. Era uma nova chance para a nossa espécie, um novo paradigma para qualquer espécime  terrestre. Nem CPF, nem RG, nem certidão. A posição dos astros do rebento se sobrepunham a qualquer outro tipo de argumento.

Rápido: calculemos hora e data! Todo ser humano tinha direito a um mapa astral de linhas coloridas rabiscadas em um círculo, numa espécie de mandala que substituiria, por exemplo, um currículo. Contratar uma funcionária taurina, eleger um político pisciano, dar à luz uma filha leonina, ler um autor escorpiano.

O GPS agora funcionava em dois sistemas diferentes: as ruas e as luas. O primeiro, para onde se queria chegar em horas ou minutos. O segundo, para onde se apontava o sonho, para onde flui naturalmente o prumo da vida, da luz. Desluzir a presença dos astros, diziam as autoridades no assunto, era o cúmulo!

E assim a humanidade caminharia por séculos, até que por uma fatalidade precisasse mudar de planeta. O único problema? Refazer os cálculos em uma nova morada, descendente por descendente, estrela por estrela, ascendente por ascendente.

A gravidade dos astros, todas as mecânicas invisíveis, teriam que ser recalculadas. Só uma dessas grandezas – dessas que não são calculadas usando ábacos ou astrolábios – permanecia imutável. Uma atração que fugia às leis da ciência. Em sua nova casa, da janela do quarto, lá estará a minha lua cheia banhando de amor a sua rua toda, inteira.