Bora brincar de soneto e logogrifo?

Texto de Eduardo Maciel


Olá, valorosos kurumateiros!

Trago hoje uma história linda e uma brincadeira. Gostam de resolver enigmas?

Pois bem. Participo de um grupo de Whatsapp cujo foco é educação, e foi lá que conheci o Joaquim de Paula. No grupo, ao saber que eu me dedico a escrever sonetos (dentre outras coisas), me contou que o pai dele tinha uma obra póstuma, chamada “FLORES DE PAPEL”, publicada pelo esforço conjunto da viúva do autor e seus familiares, unindo sonetos e enigmas. Chamou a minha atenção na hora!

Sonetos e enigmas? Isso mesmo! Enigmas sob a forma de logogrifos.

Mas antes que eu conte a vocês o que são os logogrifos, o método para sua solução e um exemplo para vocês tentarem descobrir, preciso falar um pouco mais sobre esse sonetista, o Antônio de Paula, que foi ter com os deuses da arte em outro plano ainda nos anos oitenta do século passado.

Me foi descrito como um senhor modesto e desprendido, que apesar do talento para as letras, não se considerava um intelectual. Era uma pessoa de muitos amigos e um profissional zeloso e correto, na chefia da Secretaria de Fazenda Pública do município de Montes Claros/MG. E para além disso, músico e poeta, amante dos epigramas e logogrifos. Um homem sensível, sem dúvidas.

Não divulgou seus poemas por uma questão de modéstia. No entanto, em sua época preencheu um espaço lúdico no “Jornal de Montes Claros”, onde aos domingos se encontrava com seus leitores através de sátiras grifadas com os números enigmáticos dos logogrifos. Isso sem mencionar os seus exímios talentos como violinista.

E como fruto desse trabalho, deixou um legado para lá de precioso: um dicionário para a decifração de enigmas com mais de cento e dez mil verbetes! Obra de valor inestimável.

Todos os sonetos são lindos demais, cheios de entusiasmo, francamente sarcásticos em sua maioria. Ao ler, a gente se coloca na cena na hora!

Sob o ponto de vista técnico, Antônio de Paula era um sonetista dedicado a um tipo de soneto conhecido como “Soneto Livre”, onde existe a estrutura de dois quartetos e dois tercetos inerente à maioria das espécies de soneto, mas não há um compromisso fixo com métrica e rima. Os sonetos são sonoros como precisam ser, apesar da falta de rigor sob esses dois últimos elementos.

Agora falemos sobre os logogrifos. Quem são eles? De onde eles vieram? De que se alimentam?

Deixarei o próprio autor nos contar:

“O logogrifo é, dentre os vários enigmas existentes, um dos mais difundidos e apreciados. De decifração muito simples, é composto de palavras-chave e de um conceito, só que aquelas são marcadas em negrito e o conceito, vem sempre em letras maiúsculas. Em um mesmo logogrifo, cada número representa sempre a mesma letra, sendo que a numeração mais alta corresponde ao número total de letras do conceito que trará a solução do enigma. Para melhor esclarecer a forma de decifração do enigma, foram adaptados por mim logogrifos a uma quadrilha popular. Vamos, pois, ao exemplo:

Baixa, baixa serraria
Que eu quero ver a cidade
Meu benzinho aqui tão perto
E eu MORRENDO de saudades…

4,1,8,7,11,6
3,10,7,7,6
7,2,5,4,7,6,7
4,12,13,7,6,1,13
9,8,7,9,4

Note-se aí que a solução deve conter 13 letras (o número mais alto do logogrifo) e que deve ser equivalente, na semântica, ao termo “MORRENDO”, que é o conceito. Anotaremos então em um papel as chaves e o número de letras da solução, como segue:

Baixa = 4,1,8,7,11,6
Serraria = 3,10,7,7,6
Ver = 7,2,5,4,7,6,7
Benzinho = 4,12,13,7,6,1,13
Perto = 9,8,7,9,4

SOLUÇÃO = 1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13

Iniciando agora a decifração procura-se, para cada palavra-chave, um sinônimo. Esse sinônimo será transferido para a solução, obedecendo a numeração existente sob cada letra. Chegaremos assim à resolução do enigma, que é a seguinte:

Baixa = Aderna (4,1,8,7,11,6), onde se associa a cada letra do sinônimo um dos números, na ordem.
Serraria = Serra (3,10,7,7,6)
Ver = Reparar (7,2,5,4,7,6,7)
Benzinho = Adorado (4,12,13,7,6,1,13)
Perto = Cerca (9,8,7,9,4)

SOLUÇÃO = DESAPARECENDO (1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13)

Está aí a decifração: “DESAPARECENDO”, que é um sinônimo de “MORRENDO”, termo que constitui o conceito!

A solução de um logogrifo pode às vezes ser representada por mais de uma palavra (expressão, locução) e até mesmo vir em sentido figurado.”

Fascinante, não é mesmo? Quando tive acesso ao livro pela primeira vez, e tendo entendido o conceito por trás da resolução do enigma, me pus a tentar solucionar todos os 76 sonetos que o livro abriga. Consegui resolver alguns, outros não. Para facilitar o exercício de vocês, vou reproduzir aqui mais um soneto com seu logogrifo, e em seguida a solução. Caso queiram tentar descobrir, não vale olhar a solução antes de se debruçarem sobre o logogrifo, combinado? O soneto escolhido segue abaixo. Vamos começar a brincadeira? Valendo!

“O Amado Filho do Construtor

Arnaldo pega a marmita,
Bife, arroz, frango e feijão.
Vai levar a supradita
Ao seu pai, na construção

A caminho o Arnaldo vai,
Mas não resiste ao bom cheiro
E devora o frango inteiro,
Levando o restante pro pai.

Não viste o frango ensopado
Que sua mãe prometeu,
Para o almoço, ó filho amado?

Caiu no chão, diz o Arnaldo
E apesar do esforço meu,
Só pude apanhar o CALDO!”

SOLUÇÃO = 21 LETRAS
9,2,7,20,8
5,1,19,17,9,13,9
16,9,8,14
11,5,21,7,17,4,10
5,6,9,7,12
11,5,15,3,5,18

Se não conseguirem de primeira, podem tentar de novo. Muito bom brincar de detetive e desvendar os enigmas que trazem os logogrifos!

E para conferirem se acertaram, a resposta correta é “suco extraído dos frutos”.

Tomara que tenham gostado do jogo. Eu particularmente adorei! Fora a história que envolve esse autor e essa obra, que me deixaram encantado.

Preciso agradecer imensamente a gentileza do Joaquim de Paula, filho do nosso autor revelado, que além de me autorizar a escrever sobre o pai dele me presenteou com esse livro sem igual.

Sonetos e logogrifos: adorei a combinação!