Os oitocentos de Antônio. António. Vivas –

Texto de Lu Lessa Ventarola


Foto de Lu Lessa Ventarola

Antônio. O homem; o santo. Vou contar do que sei, à moda de roda, à moda dos causos. Primeiro o conheci pelo pão que minha avó me dava para comer pedacinhos. ‘Pão de SantoAntônio, minha filha’. E não dizia mais nada, não explicava e nem mandava rezar. A fé dela era grande o bastante para abarcar as minhas desconfianças sobre aquele pãozinho estranho enrolado em um guardanapo. Fui aprendendo assim com ela que há coisas que nos ultrapassam e valem por si; o poder de impregnação dos ritos repetidos, os símbolos… ‘Deixa disso e só come’ – ela me diria agora. (Está bem, cortei do texto, vó). Assim conhecia o Santo: pelo pão e pelas festas juninas. A alegria da fogueira aquecendo os gelados invernos de Minas. Esquentava também o clima de romance abençoado pelo santo casamenteiro e o tradicional quentão, mas deixa isso pra lá… Esquentavam-nos também as danças de quadrilha, mas deixa isso pra lá…

No Rio de Janeiro, no convento do santo, no fuzuê do Largo da Carioca, as tardes de conversas animadas – entre cafés, bolos, chás, risos, fios e linhas – com frei Roger, meu amigo do coração. O resumo é: meu SantoAntônio sempre foi o primeiro no ranking das alegrias. Ê santinho próximo, camarada. Tem gente que até se pega com ele em ralhos, exigindo amores. É santo de casa, sujeito, pois, às tempestades de humor domésticas.

Ano passado, hospedada em uma casa antiga bem ao lado da Igreja de Santo Antônio, no Alfama, assisti às festas antoninas em Lisboa. Eita, que febre! As missas, rezas e adorações dos devotos começavam logo cedo e eu acompanhava tudo da varanda. As velas acessas no velário durante todo o dia riam, à noite, do escuro em uma bela cena. No dia 12, que só termina com o sol amanhecendo 13, um mundo: casórios, procissões, sardinhas, cantigas, pães, missas, multidão, sardinhas, samba, batuque, (eu já falei das) sardinhas (?). SantoAntônio é de muitos.

Abro campanha: Antônio, pode ser de muitos, santo afável que é, mas NASCEU em COIMBRA. Em Lisboa ele era Fernando e, como Fernando entrou no Mosteiro de São Vicente de Fora, aos 15 anos. Mas, um tempo depois, pediu para se mudar para Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra para estudar com calma. Debruçou-se na então rica biblioteca e, aos 25 anos, foi ordenado sacerdote. Fernando. Cônego Regrante Fernando de Bulhões.

Pois bem, andavam pela cidade 5 frades franciscanos – Berardo, Otão, Pedro, Acúrsio e Adjuto -, preparavam-se eles para partir para a terra dos sarracenos e tiveram chance e ocasião de travar conversas com Fernando. E partem, pois, em missão. Sabiam que era entrega de vida e foi: em 16 janeiro de 1220 foram, e contam que com altas doses de crueldade, torturados e decapitados em Marrakech. O Mosteiro de Santa Cruz recebe logo, em fevereiro do mesmo ano, as relíquias dos cinco mártires. O Cônego Fernando comove-se. Mede sua vida de estudos frente à força da ação e toma decisão: deixa a ordem dos agostinianos para assumir a simplicidade da fé franciscana. Sobe, a pé, até o pobre ermitério de Santo Antão – e decide nascer como Antônio (António) neste dia.

Há 800 anos foi em Coimbra que Antônio nasceu. Sua entrega, em vida, fez dele santo. É festa!

Coimbra, 11 de junho de 2020.

Lu Lessa Ventarola – em franca campanha: AntónioédeCoimbra.

Foto de Lu Lessa Ventarola