Playlist I

Observações musicais de Aderaldo Luciano


1

Titane segurou minha mão, tranquilizando-me. Foi me guiando, me mostrando os pequenos acidentes na pauta, revelando as margens da estrada, a tessitura da Areia, o ouro do seu timbre, a riqueza de seu cantar. Eu estava triste. Eu era triste. Eu fui triste, mas caminhei, deixei a Titane o direito a meus olhos, a meus ouvidos, a meu coração. No fundo do sertão, onde tudo é vivo, onde tudo é mistério, onde tudo é reflexo aurífero, nós caminhamos para a eternidade. Era final de tarde. O sol pedia socorro. E nós o socorríamos.


2

Veio a tarde como veio a chuva, preparando-se, prenunciando-se um pouquinho fria, um ‘cadinho cinza. Nesses esquemas, a saudade de minha terra também se achega. Naquele tempo, não muito longe, eu me deitava, pegava Borges e me abraçava com ele. Mas agora, está aqui, cantando a terra, Sandra Belê. Mugido do tempo, ruminação dos recantos saudosos. Essa minina tomou o rumo do mundo, trilhou o caminho da cacimba etérea. Me leva com tu que eu voo.


3

Se não fosse a saudade, eu teria certeza de minha inexistência, da inexistência do meu tempo, do final dos meus sonhos. Minhas dores não me fariam saber o sabor do dissabor. Então Socorro Lira me oferece a cabeça da canção do mundo numa salva de prata. Ela, Socorro, e Vanja Orico abriram-me a armadilha e aqui estou, uma lágrima e um nó no peito, uma vontade de confessar meu futuro e predizer minha leveza. Não, não estou triste, é sodade, meu bem, sodade do meu amor!


4

E vem lá de longe, de não sei de onde de dentro de mim, a voz de Buika, a força de Buika, a vastidão de seus caracóis vocais. Ela sabe que estou quedado no assoalho dos deuses. Ela sabe de minha fragilidade atemporal. Um sopro basta para me despedaçar. Ela sabe. E completa a audição. Os acentos e as notas, a rouquidão rasgando o peito, uma brasa descendo sobre o sentimento. Eu poderia gritar-lhe: “Yo vengo a ofrecer mi corazón!”


5

O tempo rude que nos envolveu, o povo rude que nos amaldiçoou, esse tempo e esse povo não são capazes de assassinar as sensibilidades, fechar as portas do sonho, barrar a negociação secreta da sobrevivência. Ouço agora Ane Brun e penso em cada palavra. A vida promete muito e muito oferece e muito cobra. Um toque de mão pode acender a vida. Devemos carregar a esperança nos ombros, mesmo com a realidade desse tempo e desse povo nos empurrando pelo penhasco.