Pequeno Dicionário de Arquétipos de Massa: Realidade Virtual

Texto de Fábio Fernandes


Luís gostava de ler. Tudo o que lhe caísse nas mãos era bem-vindo: livro, revista, bula de remédio. Preferia, contudo, os livros. Aprendera desde muito cedo que cada livro era um mundo, pleno de possibilidades.

Luís também era pleno de possibilidades. Pais de classe média, boas escolas, futuro brilhante. Poderia fazer o que quisesse na vida, condições para isso não lhe faltavam.

Mas a vida era dura. A cada crise, a cada problema nos estudos, no estágio, nos empregos, Luís buscava santuário nos livros. Ali ele não precisava lutar pelo pão de cada dia do patrão com o suor do seu rosto; não precisava engolir sapos viscosos a cada dia no escritório; não precisava aprender a se relacionar bem com os colegas. Ali ele pilotava naves no espaço profundo, solucionava crimes impossíveis, desbaratava conspirações, fazia sexo com a mocinha no final. Luís aprendera que ali as regras eram outras: todos os mundos eram bons, até mesmo os maus; todos os mundos eram válidos.

O tempo passou. Luís pulou de emprego em emprego e acabou conseguindo se manter no pior de todos porque todas as outras opções já haviam sido desperdiçadas. Num deles, apaixonou-se. Mas nunca ousou se declarar.

Hoje, Luís está aposentado. A casa, repleta de livros. Não pára de ler nem por um instante, e só sai à rua em caso de absoluta necessidade. Luís aprendeu que todos os mundos valiam a pena ser vividos. Menos o seu próprio.