+ poesias de Milena Martins Moura

1.

o vinho
sangue mítico
beberagem ancestral
um terço
uva
o resto
verdade
eu queria
queria
partilhar esse sangue
morder outro corpo
o meu dói de ontem
tronco
um terço
apoio
o resto
ânsia
corre em dança chula
se balança
dança
pULa
solidão em uva passa
arroz
farofa de banana
a música
i wanna know do you love me baby
e eu que tinha toque a compartir
abraço os pés
embriagada
tentativa e erro
hoje eu vou ser forte
um gole um sorriso
hoje eu vou ser forte
um carinho um carinho
hoje eu vou vencer o vinho
no vino
no veritas
sangue sangue
o cordeiro e os pecados
dividindo o pão

 

2.

o passo antigo
e esse caminho
antigo
pedra no cais paraty saudade
dar de comer aos pombos mortos na praça
ainda agora parou um gorjeio
ao meio
uma nota engolida em seco
os pássaros, que são livres, esqueceram as asas fechadas
estão saltando das sacadas
chovendo
verão
o janeiro está mais quente esse ano
é o acúmulo de finais sem sorriso
finados fora de hora
día de los muertos
um passo
à frente
promessa
a porta da cela entreaberta
sem guarda a vigiar
e eu ainda aqui
na quina fria
ruminando a ausência entre os dentes

 

3.

eu te agradeço
i really do
mas não preciso de outra voz que não a minha

o meu corpo
diverso
diverge
e esse fora do lugar é o que tenho pra hoje
pra sempre

estou ciente dos riscos e quero continuar

mãos dadas no passeio público com o espectro
um sorvete e um balão
três horas de monólogo sobre um assunto que só a mim não cansa

balança balança
bate bate palma
repete repete palavras gostosas na boca
cobalto cobalto sequoia sequoia

para o desgosto dos típicos

então eu te agradeço
i really do
mas eu não vou fazer o favor de olhar nos seus olhos
enquanto você estiver falando

anote aí no compêndio que essa é uma exigência deselegante

eu te agradeço
mas eu grito
de cima do mundo
a minha presença no mundo
e esse grito é o bastante
para virar os pescoços passantes
pode se calar

essa cara que não está na tevê
besta mitológica
elefante branco
é a única que eu tenho
para dar a tapa pelo papel principal

eu te agradeço
mas sabe
deixe comigo o fantasma que dele eu entendo

e faça a fineza de fechar esse compêndio
enquanto eu falo com você