Leite Moça

Texto de Márcio Fabiano


Quando a tia saía, ele entrava. Tinha a cópia da chave e dizia que vinha assistir outro programa na TV, já que as irmãs estavam coladas na novela. Despedia-se da tia, esperava o carro dela dobrar a esquina e corria para o armazém. Comprava a latinha. Ai, a latinha. Perfeita, redondinha, com o rótulo bonito mostrando a mocinha fresca, virginal, leitosa, segurando a cestinha. E tinha os passarinhos no ninho. Abria a latinha como quem desvirgina uma moça. Com cuidado e muito, muito tesão. E escondido, pois assim o prazer dobra. A latinha valia como uma trepada. Rápida, gulosa, forte, ofegante. O diacho é que sexo não dá caganeira, mas gulodice sim.

Às vezes usava variantes na performance. Côco ralado, queijo, pão de ontem, bolacha cream cracker. Era bom de lata. Sabia variar. Pelo menos, a mocinha nunca reclamou. Pelo contrário, vivia feliz sorridente. Quando a colher vinha e penetrava na latinha, engolindo tudo, ela gozava horrores. Até os passarinhos piavam mais alto com as colheradas.

Mas, sempre tem o depois. Enquanto após o sexo, uns dormem, outros fumam, com a latinha era mais complicado. Comeu, jogou fora. A lógica machista era necessária senão a tia descobriria tudo. Mas não podia jogar a latinha no lixo, que era demais. O jeito foi jogar no telhado. Depois do ato consumado, ia no quintal e jogava a ex-donzela em cima da casa. Ela reclamava. Dizia que tinha fobia de altura, que os gatos vinham lamber os restos que ele deixou, que enferrujaria com o relento. Acostumou-se. O destino não é doce. E assim foram muitas noites com várias latinhas de mocinhas sorridentes com as colheradas pujantes. Até que um dia veio o Plano Cruzado e as latas sumiram. Em seu lugar, uns tubos de alumínio com o leite condensado. Um horror. Tubo não dá tesão. Parou de comer.

Esqueceu as latas, ao mesmo tempo em que a tia iniciou uma reforma na casa, começando pelo telhado. O pedreiro subiu e descobriu um harém. Latinhas e mais latinhas enferrujadas, com receitas vencidas e rótulos rasgados. Estavam todas lambidas, usadas. O pedreiro, sem um pingo de lirismo e sensualidade, jogou todas ao chão.

Quando retornou, a tia não entendeu nada. Chamou o sobrinho e fez o interrogatório. Primeiro, ele negou descaradamente. Depois, acuado diante de tantas vítimas, assumiu a tara. Como penitência, teve que varrer o pátio, colocar as latinhas num saco de lixo e livrar-se daquela indecência. Sentiu remorso pelas mocinhas, mas cumpriu a pena. A vida não é doce.