+ um poema de Milena Martins Moura

é um sol diferente
o de quase abril
é um sol que só existe em quase abril

um sol fraco e meio frio
que envelhece as coisas todas onde debruça

com ele corro aos cinco anos com medo do cão da vó
que só queria carinho
e ralo de novo o joelho e crio de novo ferida

com ele estou vestida para festas pobres de escola
com guaraná em copo plástico
e salgados frios
dançando quadrilha com outra menina
porque somos sobras

ele é frango assado com batata no domingo
e fofoca de tia

plantas mortas da tia morta na casa derrubada

é um sol antigo
com luz de passado
envelhecendo os olhos todos que o encontram dessabidos

como a luz de toda estrela
a desse sol também é morta

assim o cão e as plantas e as tias
e os doces de cosminho
e os raios de tijolo espantando as nuvens

mortos como sonhar com dente

ao sol aponto o dedo sem criar verrugas
que são nada além de foco morto

a esse sol
de quase abril
resto do que não é mais
cancro arcaico nas lembranças em que os mortos eram vivos


MILENA MARTINS MOURA é mestre em literatura brasileira e tradutora. É autora dos livros Promessa Vazia (2011), Os Oráculos dos meus Óculos (2014) e A Orquestra dos Inocentes Condenados (Primata, 2021, no prelo). Integra a equipe de poetas do portal Fazia Poesia. Publica suas produções em diversas esferas artísticas no Instagram @oraculos_dos_oculos.