Violivoz: Um encontro que encanta, redime e inspira

Texto de Toinho Castro —


Ontem tivemos essa alegria absurda de assistir ao espetáculo Violivoz, esse encontro inacreditável de Chico César com Geraldo Azevedo. Sair de casa num Rio de Janeiro tão maltratado, num país tão dilacerado, para ter com essa luminosidade e essa força que é a música desses dois artistas, é uma renovação de fé.

Violivoz se dá num cenário delicadíssimo, que honra as seis cordas desse instrumento que costurou, ao lado da percussão, o coração da música brasileira: o violão. E foi na costura de seus dois violões que Geraldo e Chico desfiaram, em mais de 20 canções, um repertório em que uma pérola sucedia outra. Repertório? Melhor chamar de patrimônio, imaterial, que se materializa na vontade de dançar, de cantar junto, de segurar uma mão e abraçar.

Como é que dois artistas tem uma coleção de músicas como essa? Músicas que todo mundo reconhece facilmente, imediatamente. Músicas que conhecemos os acordes, harmonias e a poesia das letras de cor(ação). E a gente vai ouvindo e se emocionando, porque elas estão carregadas de história, tradição, memória afetivas… de quando tocaram no rádio e as escutamos numa certa primeira vez, que achávamos perdida no tempo e que nos retorna, saborosa. Esse encontro é reencontro que nos alivia.

Cantores, compositores, poetas… carregando o violão que os carrega. O violão que aprendi a ouvir com meu pai, com o disco Abismo de rosas, de Dilermando Reis, que lampejava em nossa casa, em tempos idos. Violões de Baden, Toquinho, Rosinha de Valença, Yamandu Costa e outros tantos nomes que poderíamos enfileirar aqui. A versão instrumental de Bicho de 7 cabeças (que já teve tantas versões), com os dois duelando e se abraçando e se emaranhando como uma hélice espiralada e assanhada de DNA, é de chorar de amor, de se ajoelhar diante desses dois gênios, que residem na grandeza de não pretender o ser.

Geraldo e Chico se completam o tempo inteiro, numa parceria que combina a calma transcendente do primeiro com o espírito saltitante do segundo, ambos mergulhados na alegria que pode ser a representação máxima desse país, desse povo que não para de cantar.

Todo o espetáculo foi um ato, um gesto, uma gesta, de resistência absoluta contra o estado das coisas que quer se impor sobre nossa verve (palavra bem lembrada por Geraldo em suas falas), sobre nosso jeito encantado de viver o mundo, que todas aquelas músicas tão bem descrevem e reafirmam. Foi o ato sagrado do povo que dança, que beija, que vibra e não arreda o pé enquanto o amanhecer chegar. E chegará. Ouvi essa promessa ontem, nas cordas imantadas daqueles violões e daquelas vozes ancestrais, que escuto dentro de mim há tanto tempo. Senti-me criança, possuidor de um futuro iluminado.

Violivoz encanta, redime e inspira. Ô dinheirinho suado bem empregado! Botar dinheiro na cultura do nosso país é acreditar no que ele tem de imenso. Ontem lembrei do meu pai, da minha mãe e dos meus irmãos, com quem aprendi ser brasileiro e ficar assim emocionado.


PS. Gente, Dia branco é nossa Love of my life. Tem essa dimensão que atravessa as pessoas, que todo mundo sabe e todo mundo canta. Se Geraldo e Chico se aquietassem com seus violões, a contemplar a plateia, aquele povo cantaria Dia branco do começo ao fim. Brasileiro nasce com Dia branco espalhada pelo corpo e pelo espírito.