No Dia Nacional do Maracatu, relembrando o seu primeiro registro fonográfico

Por Luiz Ribeiro Fonseca

Dona Santa, rainha do Maracatu Elefante, em um retrato
do acervo da Fundação Joaquim Nabuco

No dia 01 de Agosto, celebramos o Dia Nacional do Maracatu, símbolo tão importante da identidade brasileira. Essa manifestação de matrizes africanas se dá principalmente no estado de Pernambuco, e é dividida entre Maracatu de Baque Virado, mais tradicional, e Maracatu de Baque Solto, criado por grupos nascidos no interior do estado no início do século XX.

Derivada da coroação dos reis do Congo do século XVIII e das cerimônias do Xangô e da Jurema, o Maracatu desfila nas ruas de carnaval do Recife ao som de instrumentos como o gonguê e a alfaia, compondo uma orquestra percussiva que costuma se apresentar com mais de 30 músicos e apresenta, dentre outras figuras, o Caboclo de Lança e a Calunga.

Entretanto, o primeiro – e pouquíssimo discutido – registro fonográfico da manifestação, a canção homônima “Maracatu”, se deu a partir de uma instrumentação composta apenas por piano e voz: gravada nos estúdios da Odeon, no Rio de Janeiro, em 1929, a canção foi composta pelo maestro pernambucano Waldemar de Oliveira a partir de um poema de Ascenso Ferreira.

Com estrofes que narram o longo e violento processo de tráfico de escravizados sob o ponto de vista dos próprios oprimidos, a gravação foi executada pelo piano sincopado de Nelson Ferreira – que se destacaria futuramente como um exímio compositor de frevo – e pela soprano Alda Verona, que entoava: “Luanda, Luanda, onde estou? Luanda, Luanda, onde está?”. “Maracatu” evoca também a potência das musicalidades negras no Brasil, destacando os “batuques de ingonos” e as “cantigas de banzo” das toadas maracatuzeiras que se tornariam parte da identidade pernambucana. Como resultado do encontro, a obra torna-se parte do recital de Verona – também conhecida como Celeste Brandão – no consagrado Teatro Santa Isabel, localizado na capital pernambucana.

Nelson Ferreira, um dos responsáveis por levar o Maracatu para a Odeon.

Em 2014, cerca de 85 anos depois da primeira gravação do gênero, o Maracatu de Baque Virado foi alçado à categoria de Patrimônio Imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Posteriormente, a partir da PL 397/2019, instituiu-se o 01 de Agosto como o dia nacional do Maracatu.

Dessa maneira, relembrar a obra de Ascenso Ferreira e Waldemar de Oliveira – que ainda seria regravada por Alceu Valença no álbum Cavalo de Pau (1982) – significa resgatar um pequeno retrato que evoca o processo de diáspora africana e marca as primeiras relações entre as musicalidades negras e a indústria fonográfica ao longo do século XX.

Encontre “Maracatu” nas versões de 1929 e 1982.


Luiz Ribeiro Fonseca é jornalista e mestrando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM-UFF). Pesquisa fonogramas de maracatu gravados na primeira metade do século XX.