Poemas de Nina Camargo

Inbox da Kuruma’tá à todo vapor! Bem-vinda, Nina Camargo, às águas da Kuruma’tá, com sua poesia destemida e jovem. A nós muito alegra receber talentos como o seu e compartilhar força assim.

Caiçara de Ilhabela, Nina reside em São Paulo, e sua voz fala com gente de toda parte que quiser ouvir. “Eu me pergunto”, diz Nina nos seus versos, nesse mundo de homens e violência e opressão. Se perguntar é subversivo.

sobreviver é histeria

o que é mais feminino do que ser forçada a ficar sozinha
o que é mais feminino do que não ser capaz de se ver sozinha
o que é mais feminino do que ter medo de ficar sozinha
o que é mais feminino do que querer – e não conseguir – estar sozinha
o que é mais feminino do que sobreviver

o que é mais feminino do que não morrer de raiva
porque ensinar já virou rotina
porque cuidar já virou rotina
porque pedir desculpas já virou rotina

o que é mais feminino do que competir por uma vida que não quer
porque nasceu ou se descobriu mulher
porque querer ser mulher é fraqueza
porque não ser mulher, mas acharem que você parece mulher, é fraqueza

o que é mais feminino do que não ser suficientemente mulher
o que é mais feminino do que não ser suficiente

quando penso em quantas vezes mascarei a compulsão com o fumo
quando penso em quantas vezes cobri o seio para não fechar o punho
quando penso em quantos deles se sentaram ao meu lado sem assunto

eu me pergunto

o que é mais feminino do que o silêncio
o que é mais feminino do que gritar e te mandarem fazer silêncio
o que é mais feminino do que não pedir socorro e te perguntarem
mas por que é que você fez silêncio

mãos abanando

nunca toquei as linhas tênues do teu rosto
e as sinto lamber as linhas da minha palma
como se trocassem teorias, gracejos, lágrimas
como se algo nessa troca fosse mais que esboço

entre agonias, subentendidos e pressupostos
encaixei-o em fantasias tolas
como se alguma delas fosse mais que tosca
como se algo nelas fosse um pouco nosso

ouvi as tuas músicas de novo
nunca ouvi tua voz assim tão perto
como se algo aqui fosse concreto
como se nenhum fragmento estivesse solto

ah, meu bem, conte-me: quando, afinal, você vem?
quando, afinal, você vai embora?
quando compreendo que, sem demora,
eu já deveria ter fugido, também?

brinco aqui com esboços de rostos
brinco aqui com linhas tênues de pressupostos
as mesmas músicas velhas de novo
a mesma leveza do que não é nosso

ainda assim, meu bem, eu sufoco
por engrandecer o que não compreendo
por sentir o encontro na passagem do tempo
por sentir o tempo na passagem do encontro

qualquer dia, meu bem, isso passa
dessa vez, quando choro, é sem peso
não sinto medo do depois que desconheço
e o que conheço agora já me transpassa

bons tratos e mariposas

fugir da dor de cabeça três vezes em uma terça,
debruçar-se na mesa torta, odiar o formato da boca.
escrever em silêncio escondida do sol,
odiar o ministro, tentar ser mais boba.

fazer-me de sonsa cinco vezes até quinta,
ter preguiça de justificativas e de moscas.
ter a impressão de não ser tão sensível
por gostar de ser bons tratos e de mariposas.

impor uns limites aqui e acolá, nem todos muito justos,
mas há de se reconhecer a coragem do intento.
ainda não saber o que gosta de si, o que gosta da vida;
ser indecisa, ingênua e não saber abraçar o contentamento.

há um longo caminho até se parecer consigo mesmo;
há camadas impostas o bastante para que se viva abrindo janelas. antes da segurança e da certeza, portanto,
esqueçamos um pouco o reconhecimento
e passemos a enxergar a beleza das frestas.


Nina Camargo tem 21 anos e é pedagoga, estudante de História da Arte e poeta. É caiçara de Ilhabela, mas mora em São Paulo. Ama gatinhos, crianças, padarias e livros de fantasia. Em seu Instagram, @iapoes, compartilha poemas inspirados em obras de arte e experiências cotidianas.