A poesia de Bianca Rufino

Bianca Rufino, ou Bianca Sabiá, nasceu libriana, na Serra da Borborema, num 7 de outubro, como este humilde editor que vos escreve, só que anos depois! Só isso já abre uma simpatia enorme em mim. E a leitura de sua poesia só reforça isso que já é admiração. Que mais poetas como a Bia cheguem céleres na Kuruma’tá, casa de poesia, casa de poetas e sensibilidades.

Bia, seja bem-vinda! Nossas estão portas sempre abertas!
Bora ler essa artista?!


correnteza

era ela
mas por trás tinha outras
elas
a avó
a mãe
dela
por cima da marca
A matriarca
ela
era a reticência
da existência
daquela
Era
ela
que ia
passar a chama
pra próxima
vela.

 


aprendendo do zero

o
amor me ensina
todo dia
a ser miúda
como a formiga
e a ser gigante
como o horizonte

o
amor me aprende
a escovar os dentes
das cáries
a chorar no peito
vulnerável

o
amor me liberta
todo dia
uma
nova cara se mostra

o
amor
não é à prova de balas
o
amor
é o desarmamento.

 


Zíngara

você olha e me vê
na largura do rio [me derraamaanndoo…
quando voltar
…volte pelo outro lado]
estarei circulando
entre ar
bustos
entre âm
bares
entre es
camas
nada me decreta
não me contrabando
não pertenço: deito sobre o universo
a palavra não vai me engolir
resisto!
lutarei com meus dentes de cão
mastigarei linhas e vomitarei o sumo e o bag(aço)
aviso: não me tire por essas letras que me vestiram
sou transeunte
trabalho em t r â n s i to.

 


receita

quando o canto do pássaro te atravess
ar
se faça de madeira (oca)
deixe ele maturar
no seu íntimo barril
como cachaça.
canto bom
é canto curtido.

 


sobre ter muito bicho por dentro

eu gosto
do modo
exagerado e desajeitado
de seu vôo
minha vista
se confunde na perfeição
e se magnifica na falha
é o excesso de bicho que tenho em mim.

 


não sou dessa laia!

as coisas desta sociedade banal
eu não entendo
me chamem burra
jumenta
anta
só não me identifiquem como dos seus,
é ofensa!
não quero pactos com essa tralha acinzentada
essa fumaça não é incenso e não limpa: entope
sou feita de grãos de terra
adubos e galhos
essas coisas que ladram
se exibem
e se contentam com concretos
não criam asas,
criam objetos à sua semelhança
não quero laços
com essa civil ordem
que despreza espírito
não demarca terras indígenas
mas cria sua marca
não engole criança
mas come seus sonhos para tornar a ser gente
não me chamem dos seus!
não sou dessa laia!
a coisa da poesia

as palavras são sopros
de orações
são mantras disfarçados
eu não uso qualquer palavra por aí

tenho minha irresponsabilidade sobre elas
falar pra uma planta o nome científico dela
é como te chamar de homosapien
chamar a parede de parede
tira a graça dela de poder ser um varal de sonhos

a riqueza da poeta é o silêncio
nele,
tudo acontece:
o som vai engolindo o traço
o traço vai virando letra
a letra virando barro de moldar e por aí se cria

depois do silêncio dessa ruminação
vem o estalo:
a letra te foge à mente
agora ela é livre
como o rugido de um leão

eis a coisa da poesia:
palavra tem que sair de dentro como rugido de leão.


Bianca Rufino ou Sabiá, nasceu em 7 de outubro de 1992, sua semente brotou na serra da Borborema, em Campina Grande, mas sua muda foi cuidada em João Pessoa, Parahyba. Poeta, escritora, compositora, cantora, performista, andarilha, cartomante e brincante: transita entre linguagens da arte, com essência na palavra. É autora do livro de poesia Zíngara (2021) pela Editora Triluna, De quando o rio lavou as histórias (2021) livro de contos que foi vencedor do Prêmio Políbio Alves, criou 18 fanzines e trabalhos nas artes visuais. Desenvolve vídeo-poemas e performances, três delas selecionadas por editais do país: ‘Cotidiano In.verso’, ‘Gurugi’ e ‘O dia em que tirei minha alma pra dançar’. Realiza itinerâncias poéticas e produz um projeto de circulação chamado ‘De carona na poesia’, passando por cidades diversas com apresentações, rádio difusora e oficinas de escrita. Tem o espetáculo ‘Voltando para casa’ com repertório autoral de música e poesia.