Poemas de Míriam Freitas

Inbox mágico trazendo versos pra gente! Seja bem-vinda, Míriam!

Escritora, mineira e doutora em literatura comparada. É professora no IFSUDESTE- Juiz de Fora. Publicou contos, ensaios, poemas e narrativas curtas. A memória é uma oficina de ossos (Urutau, 2023) é o seu quarto livro de poemas.

A generosidade é um gole d’água
na boca do deserto.


SÓS

Ficar só
como um único peixe no aquário
é habitar no ventre a água
de um mar sem violinos.

 


SOBRE DOAR

A generosidade é um gole d’água
na boca do deserto.

 


SOLIDÃO I

Olhe para dentro,
há o turbilhão das vozes,
íntimas raízes, mortos que falam.
O solitário não fala, mente.
Traduz de si para si
o calendário da alma.
Dentro
− realisticamente −
ninguém
ninguém.

 


PISCA- ALERTA

Hoje acordei
para alimentar os pássaros
e libertar as crianças
dos cardumes da violência.

 


CONSTATAÇÃO

Lendo (agora) um poema de Whitman
sei que os cemitérios estão dentro
de cada homem
ou mulher
na travessia em direção
ao deserto das sombras.

Sei que no útero da loucura
reside a morte.

(Também) sei que
os hospícios são a morada dos pássaros.

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Impermanência com disfarces sociais. Escutar o ar. Antes do tempo das cordas, de T.S. Eliot, e de um caracol que ressoa pelo mundo, de Octavio Paz, a poesia surgiu nos ossos. Cava. Na origem do vazio, sobra a sede de “Luz e sal”, o silêncio, a sombra de sua sombra, como bem dito por Alejandra Pizarnik, por aqui sopra sobras. Freitas parece se conectar exatamente com essa esfera quando apresenta A memória é uma oficina de ossos, obra de fôlego e de impacto, viajante dos símbolos da finitude, livro-nauta da sobrevivência de tuk-tuks nervosos, pois “de um relógio/à procura de novos instintos” permanecemos com um grito, sorrindo, alados. Viver também é grafar um piano constante: nestes densos poemas há vibrações de toques como uma “Sonata ao Luar”, de Ludwig Van Beethoven “embaixo das unhas/dentro dos ouvidos”. Mírian ludibria e convida “à caça do tigre de papel”, em um girassol espelhar refugiando a memória do mundo: porque somos ninguém no mesmo sonho, vícios à imagem prelúdica de “forças ciprestes”. E deitados ao sol, de repente, escutamos assobios, e você já me lê, ao vivo. Continue: “o corpo cresce:”.

Mariana Basílio