“Que nada nos distraia do amor” — Flaira Ferro Virada na Jiraya Revista Kuruma'tá, 30 de outubro de 201922 de novembro de 2022 Texto de Toinho Castro Eu conheci a Flaira Ferro porque ando bem acompanhado. Ou pelo menos porque acompanho as boas redes. De olho no Instagram de Chico César eu vi uma postagem que ele fez cantando com a Flaira a deliciosa Cruviana, que está no seu último álbum do paraibano de Catolé do Rocha, O amor é um ato revolucionário. E é mesmo! A partir aí comecei a companhar também o perfil da Flaira e vi chegando esse disco que agora está nas tais das plataformas de streaming e no Youtube: Virada na Jiraya! Poucas vezes vi um título definir tão bem um disco! Virada na Jiraya é essa disposição absoluta, esse estado de fúria e encantamento, energia explosiva que derruba portas, porteiras, paredes, que não cabe em si e transborda. E que disco é esse, gente? É um disco transbordante! Enfurecido e aliviado em 12 músicas que se você botar pra tocar vão mudar seu dia num grande dia. É como se a caravana do Circo chegasse na cidade, adentrasse a praça central para se instalar luminoso, animado, chamando todo mundo pra participar, pra junto, pra cantar palavras de ordem, palavras de poesia e cantos às nossas mães, aos nossos ancestrais, ao nosso futuro contra toda escuridão que parece cerrar o horizonte. É um disco político. Como poderia ser diferente? Não, não de resistência, mas de reação, de partir pra cima de peito aberto. Como poderia ser diferente? Nunca é tarde pra reagir, canta Flaira, com as cantoras e compositoras Isaar, Ylana, Sofia Freire na comovente Germinar. É disco pra ir pra rua, pra cantar juntos. Faixa após faixa é uma riqueza de ritmos e versos, é teatro, performance e dá uma vontade danada de dançar. Vai do frevo ao rock passando por muitos lugares, numa atemporalidade de dar gosto. A língua afiada de Flaira, irônica e lírica, claro, sai rabiscando poesia nos muros que ela vai por abaixo logo em seguida, contra a boçalidade e o totalitarismo, a favor do amor, do amor, do amor! Que nada nos distraia do amornem mesmo as vitórias da vidaQue nada nos distraia do amorNem mesmo confetes e serpentinasQue nada nos distraia do amorNem mesmo os picos de adrenalinaQue nada nos distraia do amorQue tudo nos atraia o amor — Versos de Ótima E num disco tão rico e tão pleno lá está Recife, Pernambuco, os cais, as pontes, o frevo, as ladeiras de Olinda, a rua da Aurora recebendo o sol pela manhã. Talvez eu veja isso por saudade de Recife, que me assombra como a Perna Cabeluda a vagar pelas ruas do centro. Talvez por causa do sotaque ou pelo espírito definitivamente brincante de Flaira. E eu já ia dizer que Recife é essa caixinha de surpresas, mas não há qualquer surpresa com uma artista assim surgindo lá. Recife é isso, é essa vibração atômica. tem sido sempre. A surpresa é esse disco chegar aqui e agora, nesses dias que se pretendem sombrios mas que tem a sombra rasgada por essa energia febril. Viarado na Jiraya é como todos deveríamos estar. É mão dada e pé na porta! Ou nada muda e a gente não pula o muro pra roubar fruta com as amizades. Aliás, bom dizer, é um disco de amizades e participações, de trocas e união, porque é assim que tem que ser. Tudo vibra pro bem, pro melhor. Que nada nos distraia do amor. Que discos assim nos atraiam o amor. Que a gente escute Flaira Ferro virados na Jiraya, prontos pra ir pra rua, ao sabor dessas doze canções e nos sentindo ótimos! [Pois é, fiquei empolgado! Bom demais, né?] Coisa mais bonita A Chico CésarDiscosDiscotecaFlaira FerroMúsicaMúsica BrasileiraPernambucoRecifeToinho Castro