O Marcianos de Mercúrio

Texto de Toinho Castro


Os marcianos estão em toda parte. Estão em Mercúrio também, com suas plataformas e mãos sujas de sangue. Eles não se escondem no lado oculto do planeta. Na verdade não só não estão escondidos como estão bem à vontade, negociando escravos e planejando domínios no sistema solar. Como sei dessas coisas? Estive lá, vi e perto suas políticas perversas nos becos escuros sob o chão rochoso de Mercúrio. Eles nos ignoram, com seus olhos grandes, e essa é a nossa sorte.

A astronomia deles não enxergou nada na terceira órbita do sistema. Há ali para eles uma zona nebulosa, de inexplicáveis lendas, mas nada real. Nada concreto. Quando digo-lhes que venho do terceiro planeta eles caem na gargalhada; acham que sou um piadista. Passam perto da Terra com suas naves prateadas e translúcidas e não nos enxergam. Entendem as interferências dos nossos satélites em suas comunicações como ruídos de fundo do universo, defeitos em seus equipamentos, sonhos ruins.

Deixemos que sigam assim pois são gananciosos e estão a procura de novos mundos para multiplicar suas dores e alimentar seus filhos tristes. Em Mercúrio, perto da fornalha do sol, construíram torres que não projetam sombras e enviam seus sinais para o centro da galáxia. Dizem que enviam sinais para seus irmãos, para os seus deuses que habitam o buraco negro em torno do qual todos nós giramos. Sabem que o sol vai morrer, sabem exatamente o dia e a hora nos seus calendários e não estão a se arrepender.

Não quero voltar a Mercúrio, não quero mais encontrá-los. São os piores da sua espécie e mesmo em Marte não são bem vistos. Mesmo em Marte não dizem tudo a eles e resta-lhes pouca confiança. Mesmo em Marte os evitam e celebra-se o dia em que partem de volta a Mercúrio. E aqui mesmo no terceiro planeta, caminhando pelas ruas, não dou as costas a Mercúrio, nunca. Pode ser que eles despertem, a qualquer momento, desse sonho estranho em que a Terra não existe.


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