Mensagens com pérolas

Texto de Toinho Castro


Nesses dias temos trocados muitas mensagens entre nós, as amizades. Alguém enviando um abraço, uma música ou uma dica de livro. Pequenos afagos virtuais se espalhando por aí como um vírus do bem. Cada mensagem parece uma ostra com uma pequena pérola dentro. O barulho desse mar que nos oferece ostra e pérolas é um lenitivo em resposta às ruas vazios de hoje. Um amigo me mandou uma mensagem só porque ele sabe que estou em casa e ele também está. E aí ele me pergunta se está udo bem, se estamos seguros. E estamos. E ele também está, apesar do que hoje nos prende a todos em casa.

Aí troco algumas letras do alfabeto com ele, formando sentenças de afeto. Um amigo com quem tenho falado pouco e justo hoje dá vontade de convidá-lo para um chope. Um impossível chope na Galeteria Cruzeiro. São trinta copos de chopp, / são trinta homens sentados, emendaria Carlos Pena Filho o poeta recifense. Mas como a gente não pode / fazer o que tem vontade, / o jeito é mudar a vida / num diabólico festim… diria ainda o poeta, a gente vai trocando pérolas digitais. E foi mesmo pérolas que Renato Frazão, meu amigo, ofereceu-me quando pedi a ele algo para colocar na Kuruma’tá. Logo depois da mensagem Vou te mandar umas coisas, ele me passou o link de um disco que ele gravou no ano passado, com a cantora e compositora Luisa Lacerda. O disco chama-se Cantiga do Breu… e mal começa o violão e eu já me vejo no breu da noite, numa varanda, talvez, olhando a mata. Olhando o céu, em busca do Bendegó riscando o firmamento.

Que disco bonito e bem-vindo numa quarta-feira de muito trabalho, em frente para o computador. Somente sete faixas, como um sete-estrelo musical. Digo somente e já me arrependo, porque parece a medida precisa e necessária. E vou escutando uma por uma, um contraponto ao trabalho, aos e-mails, às tarefas e programas e aplicativos abertos e pedir atenção. Não, aora não, que qeu quero ouvir esse acorde. Eu quero ouvir esse verso. A voz dessa moça (e que voz linda!)em entrelaçado com a voz desse rapaz. Um outro mundo que vai se abrindo, a me namorar à sombra da laranjeira. Bem que eu queria ele em vinil, com aquele ruidinho que o vinil faz. É nostalgia que fala? Que seja… Um outro mundo ou outro tempo, sem que seja anacrônico, porque genuíno, e terno. Escuto e escuto de novo. E repito uma ou outra canção. Renato, meu amigo, é um compositor caprichoso e todas as músicas do disco levam sua assinatura, ao lado de um rol generoso de parceiros. De todas, com tantas qualidades, destaco duas: a primeira, Bendegó, parceria com Claudia Castelo Branco, e a última, Temquitê, com Lucas Videla. Duas canções poderosas. Com poderes diferentes. Entre uma e outra, um doce fio condutor a nos guiar dia afora e noite adentro, nesse território a que chamamos Brasil.

Que mensagem boa foi essa que recebi hoje; benza-te Deus!

1 – Bendegó (Claudia Castelo Branco/Renato Frazão)
2 – Alma e Vento (Diogo Sili/Renato Frazão)
3 – Xexéu e Bacurau (Renato Frazão)
4 – No Luar do Teu Sertão (Marcelo Fedrá/Renato Frazão)
5 – Andar Andei (Marcelo Fedrá/Renato Frazão) | part.: Paula Santoro
6 – Senhora de Si (Renato Frazão)
7 – Temquitê (Demarca/Renato Frazão)

Luisa Lacerda – violões e vozes
Renato Frazão- violões e vozes
Elísio Freitas – violão, guitarra, baixo, viola caipira e rabeca
Lucas Videla – percussão
Produção musical, gravação, mixagem e masterização: Elísio Freitas
Capa: Mauro Aguiar


Quando eu era criança eu morria de medo do Breu. Minha mãe dizia, depois das seis horas, a hora do ângelus, Não vai sair não que tá o maior breu lá fora! O que era esse breu, meu deu? Era uma escuridão ancestral, anterior á cidade e às ruas. E precisou passar tempo, tive que ler muita poesia e fazer amizades demais para que o breu fosse um conforto, um lugar de quedar silencioso, ao ouvir cantigas.