Poema de Toinho Castro
Esse poema, com alguma modificação, foi publicado no Lendário Livro (Maio de 2017 – Editora Rubra), coletânea de poesia reunindo trabalhos meus e dessa turma de poetas: Aderaldo Luciano, Braulio Tavares, Nonato Gurgel, Numa Ciro e Otto Ferreira. É um poema que nasceu da minha agonia com a verticalização acirrada do Recife, do seu céu sangrado de arranha-céus.
Mas onde resiste o Recife? resistirá? O que resta, que réstia da cidade onde cresci? Bem sabemos que não é possível deter as transformações do mundo, mas não deveriam ser essas transformações uma força destrutiva. Recolho em versos minha indignação e espero que minha voz reverbere, para que reste um Recife digno do Capibaribe e seus cais.
Penso no Recife
e já não há Recife.
Mil anos se foram,
mil anos derrubados;
chão de assoalho,
cobogó quebrado.
Recife de ninguém,
quarenta andares
de ninguém.
Pra quê tanto?
Recife se foi,
sem horizonte;
restou nem ponte.
Só prédios
pontiagudos,
desalmados
e edifícios.
Rio sem margem,
tudo à margem
e no centro
o concreto,
revestido disso
e daquilo.
Reboco
e mal acabamento.
E garagens,
para os carros
para os homens,
de carro.
Mas em becos
se esconde,
Recife se esconde,
de fininho,
disfarçado,
pés molhados,
do rio.
Que rio?
Que se foi o rio,
já foi.
Tudo aterro,
tudo enterro,
cidade cheia,
de lápides
enormes,
imensas,
frágeis lápides
de cidade morta,
soterrada,
enterrada,
sepultada,
sem memória,
sem lembrança.
Somente rua,
nem mesmo rua.
Aurora sem aurora,
cais sem cais
e nunca,
nunca mais.
Belo texto.
Obrigado, amigo!
Beleza triste. Necessária.
Melancólico mas lindo!