Independência Poética: Dayane Tosta

Independência Poética é uma série de entrevistas realizadas por LORENA LACERDA

Poeta de hoje: Dayane Tosta

Mulher negra que cresceu e se criou na periferia de Salvador, entre o Subúrbio e Pirajá. Mãe de Valentina e Lis, esposa de Igor. Professora da educação infantil pela Secretaria Municipal de Educação. Pedagoga e mestra em ensino na educação Básica pela UFG. Autora de Nua e outros poemas (2019). Fez parte da Antologia de poetas baianas Corpo que queima (2019). Dedicada a projetos de incentivo à leitura e escrita.

O que te inspirou a começar a escrever?

Como quase tudo na vida, a escrita foi aparecendo na minha trajetória de forma espontânea, eu sempre fui apaixonada pelas palavras e isso fez com que eu me expressasse por meio do texto escrito em momentos diversos. Sempre que eu sentia qualquer emoção eu tinha vontade de escrever uma poesia e quando fui ver eu tinha uma coleção grande de poemas escritos e guardados na gaveta. Numa noite de insônia eu decidi que não seria má ideia publicar um livro, isso aconteceu no final de 2018 e desde então eu não parei de escrever e participar de publicações e saraus.

O que você faz quando percebe que está com bloqueio para novas poesias?

Eu leio. A leitura seja em prosa ou em poesia me inspira de uma forma singular. Mas além disso eu ouço músicas e busco meios de me manter conectada com o mundo das artes.

Seu maior sonho como escritor(a)?

Alcançar um público maior com a escrita e que de alguma maneira meus textos toquem as pessoas de um jeito único.

Assunto preferido de escrever?

Relações afetivas e maternidade.

Um elogio para sua própria escrita?

É uma escrita honesta e clara.

Já publicou algum livro? Quais? Caso não, tem planos?

Nua e outros poema, 2019, Ed. Vecchio.
Desaguar, publicação independente, 2021.

E participei de antologias:
Corpo que queima, 2019.
Petas negras brasileiras, 2022.
Poesia de botequim, 2022.

Quais inspirações do cotidiano despertam sua escrita?

Às vezes eu tenho inspiração quando estou ouvindo uma música, lavando os pratos ou dirigindo. Minhas inspirações surgem por algum sentimento que quero expressar, foi assim com o poema “Ciúme” do livro Desaguar. Mas às vezes alguma palavra me chama a atenção, eu fico hipnotizada e preciso escrever algo com essa palavra específica, foi assim com o meu poema “Escombros”, também de Desaguar.

Ciúme

Quando o ciúme nos visitar 
Deixemos ele entrar por alguns segundos 
Escutemos seus gritos 
Permitamos o seu desabafo 

Depois abrandemos o fogo 
Desse miserável afeto 
Com as águas de nossos desejos entrelaçados 

Morre o ciúme 
Tal como o orgasmo morre no corpo 
Permanecemos cúmplices 
De tudo aquilo que nos une 

Escombros

Gostava de confiar nos escombros 
Aqueles deixados por todos os amores malogrados
Construí meu edifício inteiro sobre os restos daquele afeto 
Em cima da bagunça que fizeram de mim 
Reinventei o todo do meu ser 
Padeço daquele fardo que é amar primeiro 
Mas do veneno que mata eu provei a cura
A dose certa de delicadeza que me fez grande 
De dentro pra fora é que se encontra completude 


Qual dos seus poemas mais te define?

Do encanto da vida

Encantados são os dias
De quem a vida simplifica
De quem enxerga a poesia
De quem não se deixa
Sucumbir ao medo

Se corro riscos ao viver
Me arrisco a dizer
Que o mais belo de todos
É colecionar cicatrizes
Histórias de amor e dor

Na trama de cada afeto
Uma riqueza de sensações
Na escuta do corpo alheio
Deixo meu corpo falar também
E todo toque é precioso

Se teu riso renova minha fé
Não deixe o siso tomar conta
Pois ser e simplesmente ser
É o segredo de toda beleza
Delicadeza de cada estação

Saber voar depois da queda
Levantar apesar do medo
Acreditar que o sonho é possível
Coisas divinas e encantadas
Que aprendi ao caminhar

Qual a parte mais fácil e mais difícil da escrita para você?

A parte mais fácil da escrita é deixar fruir o espontâneo, a leveza da arte em estado puro e simples, a parte mais difícil é ter que lidar com as regras, técnicas, métricas e todas as tentativas de categorizar e domar a arte da palavra. Outra parte difícil é lidar com a venda de livros, escolha de editora e todas essas demandas comerciais.

Qual sua obra favorita de outro autor(a)?

Poesia completa de Maya Angelou.

 


Um livro de Dayane Tosta

Nome da obra?

Desaguar

2 – Quando e em qual editora foi publicada?

Foi publicado de maneira independente em 2021.

3 – Existe um tema central nos seus poemas/poesias? Qual?

Superação, amor próprio e maternidade.

4 – As poesias são divididas em fases nessa obra? Se sim, o que te motivou a fazer isso?

Dividi os poemas em 3 partes: carne, osso e alma. São as três partes do ser mulher designados a partir do desejo, força e liberdade, respectivamente. Minha inspiração surgiu do ser feminino que é múltiplo e pode se revelar de variadas maneiras. O objetivo maior dos poemas é prestigiar a superação feminina pela via do amor próprio.

5 – O que te incentivou a escrever esse livro?

Desaguar surgiu do desejo de deixar fluir o rio da poesia e com isso alcançar pessoas que compartilham dos mesmos sentimentos expressos no livro.

6 – É possível destacar uma poesia que mais se assemelha a seu cotidiano?

O poema Quietude é como se fosse uma prece, um desejo, algo que gostaria de viver todos os dias:

Quietude

Silêncio
Calem-se todos 
Preciso ouvir meu mundo interior 

Calei as expectativas alheias 
Me muni da potência da minha voz 
Entrei em campo de batalha contra o teu preconceito 
Fiz o meu próprio abrigo 
Limpei as minhas feridas 
Me perdoei 
É de dentro que se encontra amor – o próprio

7 – A sequência dos poemas conta alguma história?

Conta a história de uma mulher que depois de muitas desventuras amorosas descobre sua força e liberdade a partir dessa descoberta consegue se portar no mundo de maneira amorosa e autoconsciente.

8 – Existe algum posicionamento político ou cultural na obra?

O feminismo e antirracismo perpassam de maneira sutil a obra.

9 – Qual a relevância dos personagens implícitos/explícitos da obra?

O texto apesar de desvelar a alma feminina trata de temas que tocam a natureza humana de modo geral, portanto, qualquer pessoa que tenha sentimentos vai se sentir tocada pela humanidade dos poemas e essa é a maior relevância da obra.

10: Qual a poesia mais marcante desse livro?

Tem vários poemas que me marcam, inclusive o que dá nome ao livro “desaguar”. Mas “Submersível” é um poema sobre maternidade que sempre fica martelando na minha cabeça. Deixo aqui os dois poemas como mais marcantes.

Submersível

É cruel e belo ser mãe solo
É ambíguo 
Infinito de peso e leveza 
Submersível – pode boiar mas sempre afunda 
Contudo não se morre afogado
Ser mãe é ter tecnologia de submarino embora sem dinheiro pra fechar a conta 
Mãe é projeto de formar pessoas 
É ignorar-se em função de outrem
É a insuportável certeza de que vou suportar 
Até o fim das forças é impossível 
É a magia de encontrar mãos amigas 
É belo ser mãe 
É suportar sozinha a crueldade dessa beleza 

Desaguar

Hoje eu transbordo
Seu padrão não me contém
Sua fórmula não me define
Seu olhar já não me diz nada

Eu sou como um rio que flui
Desconhecendo empecilhos
Desviando das pedras
Seguindo o fluxo da própria natureza

Quero desaguar em outros mares
Sentir o gosto de outras bocas
Conhecer outros mundos
Permitir o toque de outras mãos

Eu me fiz livre
Depois de ultrapassar
Os limites do seu ego
E vencer o peso do seu julgamento