O dia de Tobias Revista Kuruma'tá, 22 de novembro de 201922 de novembro de 2019 Texto de José Afonso Silva Junior Visitando o Recife, bebendo cerveja no Bar Frontal, encontro com o amigo Afonso. Amigo de longa data e muitas conversas. Acabamos, eu e Afonso, conversando sobre a Kuruma’tá e o desafiei, por fim, a escrever para a revista. Do celular ele sacou esse texto que agora publicamos aqui. Ali mesmo, na mesa do bar, levantamos umas fotos no Instagram para ilustrar o conto/crônica. E é assim que a Kuruma’tá funciona, de uma hora pra outra, no ímpeto de fazer algo e abraçar os amigos! Seja bem-vindo, Afonso, à Kuruma’tá! Toinho Castro [Editor] Tobias chegou em casa. Fim de tarde de uma sexta feira. Suando frio. Trânsito horrível. Emprego horrível. Salário horrível. Semana horrível. Brigou com a namorada. Levou bronca do chefe. Abre a caixa do correio. Cobranças e mala direta. No email, só spam. Redes sociais regurgitando ódios. Toma um banho frio. Analisa as possibilidades dadas pelo horrível que o órbita. Acende um cigarro. Pensa. Olha o celular. Pensa em ligar para alguém. Mas talvez ninguém o suporte. Poupa os amigos de si mesmo. De sua presença. De sua voz. Abre a geladeira. A semana foi horrível. Não fez supermercado. Só tem sobras de almoço. Água. Tem ovo. Não tem pão. Abre a carteira. 20 reais o olham. O que fazer com isso. Procura uma camisa em meio a cama desarrumada. Acha uma usada, mas que aguenta. A veste, atravessa a sala catando as sandálias Havaianas. Sai de casa. Aperta o botão do elevador. E… Falta luz. É uma boa noite para voltar a beber. Mas não tem cerveja que queira conversar. Tá escuro. Tateia e acha o buraco da chave. Retoma a sala, o quarto. Devolve a camisa usada sobre a cama. Escuta. Longe reverbera um som. Acende um cigarro. Anda pela sala iluminada pelo isqueiro até a varanda. Acha o celular. Busca nomes. Acha o de Leda. Sarro da escola que há muito não vê. Liga. Da caixa de voz. Liga para Marlene. Não atende. Marlene também levou esporro do chefe. Talvez um desabafo, uma solidariedade ou apenas uma punheta. Sabe lá. Marlene não atende. Da varanda vê um grupo de garotos e garotas. Improvisam som de maracatu em meio a noite. Recife tem dessas coisas. Olha. Demora. Olha de novo. O cigarro quase no fim. Sexta-feira é fim. À noite é fim. No meio, tem Tobias. Tem o apartamento vazio. Tem a falta de luz. São 16 andares até o térreo. São só 20 reais. Descer é mole. Subir cobrará os anos de consumo contumaz de Marlboro. Avalia. Não desce. Tem falta de elevador. Ter falta é fim. O que sobra? Começa a chover, fininho. A luz dos prédios e ruas chegam ao seu rosto. Driblam a atmosfera úmida e rasgada por pingos. Tateia a carteira. Acabaram os cigarros. Chove, falta luz, elevador, televisão. Falta cigarro. Falta voz. Tem longe um som de gente se divertindo. Tobias se sente muito só. E esta com insônia. Amanhã talvez seja melhor. A ContoCrônicaJosé Afonso Silva JuniorLiteraturaRecife