De ouvido nas perifas

Texto de Nonato Gurgel


Nas trilhas das identidades, no território das margens (2019) é o título do livro organizado pelo professor, poeta e compositor Idemburgo Frazão, em parceria com a professora Patrícia Rangel. O livro é fruto da produção cultural desenvolvida pela dupla de pesquisadores do grupo Margens da Literatura, UNIGRANRIO, Duque de Caxias-RJ.

Além deste livro de ensaios que tematizam questões periféricas na contemporaneidade, Frazão é coautor de Clementina Cadê Você (Funarte/LBA), e acaba de lançar Lima Barreto: diálogos marginais e identidades periféricas (2019). O volume reúne 5 ensaios que privilegiam gêneros ‘menores’ como a crônica, a carta, o diário e, além de Lima, o autor dialoga com escritores ausentes do cânone literário como João Antônio e Carolina Maria de Jesus.

Esse dialogismo leva em conta alguns temas como o racismo, a memória, loucura, pobreza e exclusão social. Discute também o lugar de voz, um conceito polêmico que incomoda principalmente quem tem, ou sempre teve garantido esse espaço que é também o lugar da crítica. Esse lugar é caro ao cronista Lima Barreto, como lemos no final do ensaio ‘O cronista e a língua literária: um estudo das crônicas de Lima Barreto sobre o carnaval’:

A partir da interpretação que aqui se faz da crônica ‘Sobre o carnaval’, pode-se afirmar que Lima Barreto… via no carnaval e em eventos de grandes concentrações de pessoas em torno da alegria e do riso, uma possibilidade de inverter, de modificar seu enfadado estado de espírito, dotando-o de maior viço. Mas como o autor não investe nessa possibilidade de ‘conversão’ à alegria, o carnaval se apresenta enquanto uma espécie de ‘epifania abortada’ pela supremacia crítica do autor.’

Na ficção, Frazão estreou com os poemas dO Livro das Figuras (2010). Segundo Lia Calabre, o texto foi escrito com base no ‘diálogo com jovens’ e nos ‘exercícios de intertextualidade’, resultando num ‘jogo entre o óbvio e o improvável’. Esse ‘diálogo’ e os ‘exercícios’ são audíveis nesse poema curto, com ecos da modernidade oswaldiana:

Metamorfose

Sorriu

Os autores modernos são os mais relidos nesta poética, como sugere esse poema de versos curtos, cuja rapidez remete às poéticas alternativas e marginais dos anos 70/80:

Margem Rosa

A terceira margem do rio
Deságua no sertão
Do pensamento

Além de Guimarães Rosa, ecos de outros modernos, como Drummond e Gullar, são audíveis neste livro que estetiza os afetos e as miudezas do cotidiano, com ênfase na metalinguagem e na performance dos bichos. Essa ênfase nos animais tematiza o segundo livro de poemas, Graças de Deus: um gato (2014) que termina assim:

Manha de pai
Força de mãe
Deus proteja

Menino
Gato (?)