Dentro da estrela azulada — Parabéns, Caetano

Hoje é aniversário de Caetano Veloso. Tá tendo live dele, na internet, e eu tô ouvindo aqui ele cantar O homem velho, com uma voz delicada, velha, linda. Não conheço Caetano, não convivi com ele, não tenho foto com ele. Sou o que se chama de fã. Uma palavra meio rejeitada e confusa, mas reivindico pra mim essa palavra desgastada e cafona. E fazendo isso ouso aqui desejar a Caetano parabéns, feliz aniversário, saúde, felicidade e essas coisas boas que a gente que pra quem é do nosso afeto. A voz de Caetano é, pra mim, a voz de um pertencimento. Quando ele canta eu estou cantando, quando ele canta eu sou baiano de Salvador, de Santo Amaro da Purificação, daqueles sertões fronteiriços com Pernambuco, com o rio São Francisco dividindo o mundo.

Não me canso de Caetano, desde que o escutava no meu quarto miúdo, na Imbiribeira, longe de tudo. Escutava aquele disco lindo, Muito – Dentro da Estrela Azulada, com ele na capa, com a cabeça deita no colo da mãe. Quem faz uma capa de disco assim? Caetano fez. Dona Canô acariciando os cabelos do filho, uma imagem de mãe e de terra, como a Terra da canção que abre o disco, uma das canções mais importantes que já escutei. E nossa, eu escutava Cá Já, e escutava de novo e de novo, muitas vezes. São João, Xangô menino, que coisa bela de se escutar.

Caetano me deu esse cruzamento dos caminhos da fé, me deu essa crença sem vergonha, um chamamento diverso de povos. Adoro escutar essa palavra, Xangô. Ele canta e está dito, e Xangô ecoa onde estou. E eu que venho do Nordeste, do dentro junino, cada vez que escuto essa música é uma celebração da saudade. Viva o milho verde! Esse disco dá é vontade de chorar, escutando sobre o errante navegante, quem jamais te esqueceria. Não conheço Caetano mas ele é um grande amigo e esse disco é a prova disso. Esse e Cinema transcendental.

Toda vez que escuto Trilhos urbanos parece que é a primeira vez que escuto, é a mesma surpresa, a mesma frescura que sai dali, daquela melodia, daquele poema que se dá em música. Era tanta descoberta nessa disco… Quando achei ali no fim do lado A, inesperada, Elegia, feita de um poema de John Donne, que eu já amava, por causa de Augusto de Campos. Augusto, o Augusto, ali num disco, vertendo John Donne para o português e Caetano desfiando do poeta inglês Minha América, minha terra a vista! Discos de aprendizado. E digo, são muitos discos, muitas músicas alinhadas planetariamente com a gente, desde que o samba é samba.

É uma trilha sonora que atravessa desertos, BRs Brasil adentro, florestas, manguezais recifenses. Quando Caetano canta o tempo para, o tempo passa, o tempo se desmancha nas mãos da gente, areia de ampulheta. O melhor o tempo esconde, longe muito longe, mas bem dentro, aqui. A tradução dos anos, como isso mexe comigo, como isso norteia pensamentos meus nessa cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Escuto Caetano e penso na minha mãe, dona Lenira, lá em Natal, nascida em 1936, e que saiu pelo mundo com seu Antonio, meu pai. E enquanto esses pensamentos me acometem, Caetano canta na sua live, com seus filhos adultos.

Quando eu estava lá na Imbiribeira, ouvindo Muito pela primeira vez, não havia internet, não havia live… ou melhor, o mundo era uma grande live; e hoje, com tantas lives, o mundo parece playback. Mas quando parece a velha fita a rodar de novo, Caetano canta sua sua live, com sua voz de um senhor de 78 anos, e é essa voz que rejuvenesce suas canções. É com essa voz que ele diz que o mundo ainda é novo. É com essa voz que a gente se reencontra com aquele rapaz na capa de Cinema Transcendental, cabeludo, sentado na praia, olhando o mar. Uma vez estive em Salvador, e sentei sozinho na praia, assim mesmo, olhando o mar. Me senti Caetano Veloso. Que coisa boa.