Conheci Diego Garcez anos atrás, no Recife. Trabalhamos juntos num projeto, envolvendo TI, dados, formulários e afins. Feito isto, passou-se o tempo. A gente se desconectou e não soube dele por alguns anos. Tempo que passa pra todo mundo enquanto tece reencontros. Acabou que reencontrei Diego recentemente, pelas vias do Facebook, aquela troca de surpresas. Surpresa maior a minha, pois reencontrei uma outra pessoa da que eu conhecia. Isso deve ser alguma espécie de oxímoro… deve haver uma figura de linguagem para isso, reencontrar uma pessoa que é nova pra você! Reencontrei um Diego artista, poeta, longe do Recife, de âncora lançada em Lisboa.
Seus desenhos me encheram os olhos, cadenciados em versos. Que beleza! Na mesma hora pensei na Kuruma’tá, que cairiam muito bem mas páginas da Kuruma’tá. E aqui estão seus trabalhos, e até um flagrante do seu atelier, onde nascem essa imagens instigantes, que nos demandam pensamentos, que nos agarram pela retina. Algo de selvagem, algo de contido, algo de poético.
Que bom no meio de uma pandemia, de uma quarentena sem fim, surgir assim uma beleza que nos encanta e comove. Que beleza, Diego! Que reencontro bom. Seja bem-vindo à Revista Kuruma’tá! Sinta-se em casa.
Espero poder dia desses, sentar contigo num café em Lisboa e conversar sobre poesia e arte e sobre os dias.
— Toinho Castro [Editor]
PS. Essa conexão da Kuruma’tá com Portugal tá ficando séria!
Desenhos e poemas de Diego Garcez
you love the ocean
because you are
this
sometimes
violent
sometimes
violet
Qual lado? Da Ponte 25 de Abril
Quando volto
E passo
Por baixo
Converso
Com o diabo
Explico
A ele
Que não adianta
Marcar hora
Com o outro
Lado
O esboço do nosso corcovado
Porque com o trânsito
Lá de cima
Ele estará
Sempre
Atrasado
Os Fios Que Juntam
Afastam
Casal de namorados
Que ainda não se viram
Tropeçarão
Como fios desencapados
Numa festa
Daqui a sete anos
Beberão o fim dos goles
Tomarão
Um comprimido barato
E quando loucos
Descobrirão que há sete anos
Moraram lado a lado
Vão achar que era a bala
Mas foi placebo
feito
Com o papel
Desse desenho
a janela
olhou-me
e disse
pode apagar a luz?
Há sempre
essa coisa da morte
essa coisa de ir-se
E se metade ficar
metade já foi?
Há sempre a parte morta
Que vive
Escorada
Na parte viva
Que
Não sabe o que fazer
Porque ainda não
Aprendeu
A morrer
Então vive a escorar-se
Nessa coisa de ir-se
Se
Todo mundo
Fosse filho de
Filho de
Ninguém seria filho da
Filho da
Sonhei contigo, Almério
Comíamo-nos
Deglutinávamo-nos
Em pedaços grandes
De osso e prato
Após
Esse amor
Era tango
Bailávamos
Carnavalize
Almério
Frescalize-se
Viadize-se
Para nos Carnavalizarmos
Frescalizarmo-nos
E viadalizarmo-nos
Sem isso, o mundo fica uma merda
Preto de um lado, branco do outro
Uma merda!
Vendem-se Calçados Para Enfrentar a Vida
No começo
Fizeram-me de monstro
Pintaram-me
De ausência
Retiraram
meu nome
Jogaram-me
No lago de peixes
devoradores de sobressaliências
Saí
Tranquilo
Andava ainda mais
Erguido
Logo
Tiraram os moldes
Pediram amostras
E fizeram
De mim
Modelo
Para suas botas
Cuspi
pra dentro
O Abaporu
De fora
E comi
pra fora
O Abaporu
De dentro
Fiquei assim
Hoje não teria
Nada
Não fosse
Uma ida
Na esquina
E esse gato
A arranhar
Meu juízo
Azucrinar
Meu instinto
Ferrar
Minha libido
Vai-te embora
Misera
Foi-se
Agora é teu
Vira-te-vira
La ursa não quer dinheiro
Porque La ursa é pirangueiro
(salvou foi muito)
La ursa sente falta
É do que faz falta
Por exemplo
Enxergar
Quem está vendo
Por dentro
De si mesmo
Esse é meu atelier, chama-se faço a mínima ideia. Não, esse não é o nome, poderia, mas não é. Ando com muita dificuldade para nomes. São irmãos de definições e ainda não as tenho como artista, espero nunca tê-las como pessoa. Mas já tenho atelier, chamo de “tamanho”? Porque daqui vai ser difícil trabalhar com coisas maiores e as mais sujas.
Não importa, vou preparar melhor com o tempo, tenho ansiedade, mas não pressa. São coisas distintas. Se estiver em Lisboa, venha me visitar. Quem sabe lhe desenho aqui, tens tempo? Podemos tomar um vinho e falar de literatura, ando a escrever um livro. Tudo parte daqui.
Se estiver longe, visite-me diariamente. Todas as obras estarão à venda, exceto as que tem preço.
Importante avisar: a principal obra será sempre a janela. Chamo de “studio aponteparajanela” ?
Diego, uma pororoca que deságua no Tejo
Sob a Ponte 25 de Abril que une a Praia dos Milagres no Varadouro de Olinda ao Porto português.