Poemas na quarentena – Tássia Veríssimo

Numa segunda-feira de tempo nublado, nesse outono no Rio de Janeiro, a poesia é uma iluminação muito bem-vinda. Em sua segunda colaboração com a Revista Kuruma’tá, Tássia Veríssimo nos traz esses versos sobre esse estar em casa tão diferente de uma quarentena, por conta de uma pandemia, vendo o mundo pelas janelas digitais dos aplicativos. As vidas 4K a desfilar na timeline. E a gente?

Poemas de Tássia Veríssimo


Pandemia I

Resolveu que precisava de plantas pela casa
Aquelas pessoas felizes, em suas casas felizes
Que compartilhavam tudo nas telas
Elas tinham filhos perfeitos, artísticos, poetas, músicos
Acho que conseguiriam até construir um prédio de dez andares
Tudo isso aos três anos e meio de idade
Em suas salas perfeitas
De suas vidas perfeitas
Sem medos nem ansiedades
Aquelas pessoas perfeitas, com filhos perfeitos
Tinham samambaias e cactos
Mas cactos grandes. Aqueles pequenos saíram de moda
Talvez se ela, que não tinha filhos perfeitos
Que só tinha uma cachorra que nem sabia o truque de deitar e rolar
Comprasse uma samambaia
Quem sabe seria perfeita
Como a foto editada de um celular.


Pandemia II

O café da manhã posto na mesa da sala
que faz as vezes de escritório
A janela aberta, persianas levantadas
em busca de um pouco de ar
O mesmo cenário
Janelas retangulares num edifício retangular
Bege
como a vida em isolamento
como o desencanto com um país que não é
e não sendo nos desampara
Bege Bege Bege
Com a imaginação que me resta
e a sanidade que me falta
pinto cada andar de uma cor
Na reclusão autoimposta
crio um arco-íris.

arte de toinho castro