Maracatron | Parte 3

Texto de Toinho Castro


Aqui, embaixo do Maracanã, a tabela periódica é um papel sem valor, sendo utilizada basicamente como alvo para jogar dardos. Os elementos com os quais lidamos no nosso cotidiano são outros, de outra ordem. Falo, naturalmente, das instáveis partículas inexistentes, cuja inexistência foi verificada aqui mesmo no Maracatron. Jadeir, como sempre, agiu como se soubesse da existência das partículas inexistentes desde o ano anterior. Ele sempre age como se tivesse tido conhecimento do que quer que seja um ano antes de qualquer um da equipe. Todos nós corríamos exultantes pelos corredores circulares, e até ameaçávamos subir para o gramado do estádio, enquanto ele, calmamente, bebia café e organizava sua coleção de revistas em quadrinhos. Quando encontramos com ele deu de ombros balbuciou com tédio e ironia indisfarçáveis algo como: Ah, claro.. as partículas inexistentes devem estar bem felizes que vocês finalmente as descobriram…

As partículas inexistentes merecem esse nome porque elas simplesmente não existem. Mas assim como as coisas que existem, as que não existem também cumprem determinadas funções na ordem do cosmos. A descoberta dessas partículas nos permitiu entender a mecânica da inexistência e a sua influência sobre os acontecimentos que envolvem as coisas que existem. Sei que o que existe já dá muito trabalho, e agora ter que lidar com o que não existe parece uma tarefa idiota. Talvez, realmente, o seja… mas não há como voltar atrás nesse passo da ciência, ou o que quer que se faça aqui no Maracatron. As partículas inexistentes, definitivamente, está provado, existem. Ou não existem?

Jadeir acha que esse assunto deve ser, como sempre, levado às últimas conseqüências. Ele gosta de dizer, com os olhos brilhando, que a infância acabou. “Quando essas partículas se põem em movimento no centro vertiginoso do Maracatron, nada garante que seu time vai ganhar”.

Bombardear núcleos de partículas inexistentes virou um esporte de sucesso por aqui, só comparável ao arremesso de dardos na tabela periódica. Quando estamos de bobeira, sem tarefas a cumprir, vamos até o centro de controle do acelerador e ficamos a disparar rajadas de energia a esmo, tentando acertar os núcleos. É um esporte que consome muita energia, do país, diga-se, e com resultados inesperados. Podemos bombardeá-los indefinidamente, por dias, sem que nada se altere em sua natureza. Inútil a tarefa de tentar transformá-las em partículas tradicionais, dessas que se encontram em cada esquina. Uma partícula inexistente é uma espécie de Clint Eastwood na física. Elas percorrem a circunferência do acelerador impávidas, nada pode detê-las…

E esporte ainda mais radical é discutir sobre elas com o Jadeir, sobretudo se você as compara à antimatéria. Ele interrompe a discussão e diz: sinto muito, mas tenho que voltar. E volta, sabe-se lá para onde! E realmente, isso fica no ar. De onde vem o Jadeir quando o encontramos por aí, no refeitório, na sala de reuniões… ele sempre parece que está vindo de algum lugar, se é que você me entende. Sei que sempre estamos em algum lugar antes de chegar a outro, mas em Jadeir isso é uma coisa muito clara, aguda. Chega a incomodar. De onde será que vem o Jadeir? Pra onde será que ele volta?

Hoje o Jadeir me convidou para bombardear núcleos. Ele tem uma teoria, sabe-se lá qual, e quer demonstrá-la. Já sei que quatro bairros vão ficar sem luz com essa brincadeira de desocupados gastando dinheiro público (se bem que a origem do dinheiro que sustenta o Maracatron é tão misteriosa quando o Jadeir). Provavelmente ele está sem ter o que fazer e quer se divertir e conversar um pouco. Se de repente um núcleo se parte ou se funde ao ser bombardeado, e uma anomalia qualquer é causada, atrapalhando o trânsito ou o telejornal… vai ser uma farra daquelas, com direito a cerveja secreta e gelada que a gente sempre arruma por aqui.

Mas talvez a gente fique apenas vendo uma partícula que não existe passeando pelo vazio total do acelerador, circulando no infinito que é a vida das coisas que não existem, enchendo a cabeça da gente de dúvidas à respeito da estrutura do mundo. Quer dizer, a minha cabeça oca, porque a do Jadeir, certamente está cheia de certezas. E, certamente, todas assustadoras.

Ilustração sobre foto de GeisaMaria, com vetor de Freepik